terça-feira, 21 de outubro de 2014

36 anos da morte de Clarice Lispector: uma homenagem a uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos



“Compreender era sempre um erro –
preferia a largueza tão ampla e livre
e sem erros que era não entender.
Era ruim, mas pelo menos se sabia que
se estava em plena condição humana”
(Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)
Em 09 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos, Clarice Lispector faleceu devido a um câncer de ovário que não sabia ter. A escritora ucraniana naturalizada brasileira nos deixou sua memória, seus escritos e se eternizou como alguém capaz de falar brilhantemente sobre a vida e a experiência humana. Sua obra, que contempla histórias infantis, contos, crônicas e romances, é regada de uma inigualável capacidade de traduzir o existir humano e minuciosamente descrevê-lo com todas as flutuações entre suas alegrias e angústias.
É curioso pensar o que faz com que alguns escritores sejam cultuados nas redes sociais e outros não. Que será que têm, os primeiros, que falta aos últimos? Não sou crítica literária e muito menos tenho o conhecimento necessário para fazer esse diagnóstico de forma precisa, mas como alguém que se lembra exatamente da primeira vez em que leu Clarice e que procura acompanhar tudo que diga respeito a ela, posso afirmar que Clarice está no hall de escritores mais citados na rede. Apesar de ter trechos de suas obras disseminados em todos os cantos, estes acabam por ser tirados de contexto e reinterpretados de uma perspectiva muito distante daquela que, na obra completa, ele tinha – o que é compreensível, uma vez que os livros de Clarice são de uma profundidade desnorteadora e são, na maior parte do tempo, uma viagem interna que chega a ignorar completamente o fato de que alguém irá lê-los. Às vezes parece, inclusive, que para ela pouco importa se o que ela fala faz algum sentido para seus leitores; é como se ela escrevesse para si mesma – como ela mesma disse certa vez, escrevemos porque queremos desabrochar, de um jeito ou de outro.
A questão aqui é que, ao retirarmos um trecho de contexto, acabamos por fazer Clarice ser alguém que não é. Longe de dizer que eu sei quem é Clarice (creio que nem ela mesma sabia exatamente, ou melhor, buscou responder essa pergunta durante toda a sua vida) ou que a Clarice da rede precisa necessariamente ser Clarice como eu a entendo, acho importante ressaltar que a Clarice do facebook pouco se parece com a que encontramos nos livros. Quem lê a Clarice-facebookianaacredita se tratar de uma escritora superficial, quase juvenil, repleta de frases de efeito sobre a alegria de viver ou a decepção do fim de um relacionamento. Suas falas, que na verdade são atormentadas, se transformam em belas palavras de amor como num passe de mágica. Sua perplexidade acerca da vida passa a ser uma elucidação quando, na realidade, representa uma série de indagações existenciais cujas respostas não são dadas nem por Clarice, nem por ninguém. A angústia de não saber do futuro e viver na incerteza aparece como algo belo e filosófico quando denota o desespero de saber da vida de forma tão nua e crua.
Todos os personagens de Clarice mostram bem como sua extrema sensibilidade para as questões humanas desemboca numa narrativa confusa e de cunho existencial fortemente marcado pela angústia de Ser. Joana, em “Perto do Coração Selvagem”, nos mostra pelo vai-e-vem entre infância e vida adulta os momentos que marcam sua vida e como eles foram importantes para que ela se tornasse quem se tornou. Em “A hora da estrela”, apesar de um narrador que não é ela, Clarice se trai e aparece mesmo sem querer aparecer, tão forte é sua necessidade de ser. Macabéa é a personificação do Brasil e representa as angústias e tristezas de uma vida miserável. G.H., ao ir de encontro à barata, vai de encontro a si mesma e revê toda sua vida. Lóri, em “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, aprende que para ser-com-os-outros, precisa ser consigo mesma antes de tudo. São esses alguns dos temas tratados por Clarice: a angústia de saber-se humano, a incerteza que é viver e, claro, as felicidades e alegrias que encontramos nesse caminho tortuoso que é a vida. Não são temas necessariamente alegres. Para ler Clarice é preciso saber, desde cedo, que se estará entrando em um universo que irá afetar todas as esferas de sua vida. Não é gostoso ler Clarice, nem “bonitinho”; é duro, sofrido e angustiante, pois ela nos coloca em contato com todas as questões que nos atormentam e que escolhemos não pensar sobre, partindo do erro que é achar que não saber é melhor que saber. Como bem colocado em “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, compreender é, sim, terrível. É, porém, menos terrível do que não saber, pois nos dá a certeza mais importante para uma vida autêntica: somos humanos…
Segue uma entrevista que Clarice concedeu à TV Cultura que dá boas pistas de quem foi essa mulher fascinante:

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