quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Eu, Daniel Blake


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Eu, Daniel Blake aportou no Festival do Rio com a responsabilidade de ter sido o grande vencedor da Palma de Ouro deste ano. O longa, do diretor Ken Loach, é um drama baseado na impotência dos cidadãos perante a burocracia encontrada para o recebimento de subsídios governamentais inerentes a qualquer pagador de imposto. O problema central é evidenciado quando ainda não se dispõe de qualquer cena visual e com um fundo escuro ouve-se uma voz, extremamente desinteressada, de uma servidora pública, terceirizada, que apoiará no processo decisório da liberação de um auxilio do governo para o protagonista, que dá nome a produção, e está impedido de trabalhar, por ordens médicas, após um ataque cardíaco que sofrera recentemente, se sustentar durante o período de afastamento. Nada muito diferente do que no Brasil chama-se de “encostar pelo INSS”, mas o governo em questão é o britânico.

A empatia com o personagem principal é algo que o espectador sente logo em seus primeiros minutos de projeção. Eu, Daniel Blake retrata com detalhes o sentimento de frustração que o este vive ao perceber que está andando em círculos sem conseguir evoluir com suas, justas, solicitações. É, praticamente, impossível que quem esteja assistindo já não tenha tido alguma experiência como, por exemplo, ficar alguns bons minutos aguardando uma música de fundo para ser atendido e, após isto, precisar ser transferido diversas vezes até encontra a pessoa adequada para a resolução do problema. Mais forte do que isso, há uma preocupação da produção, que não há somente burocracia por parte de um processo comum, mas sim que esta é fruto de um interesse do, próprio, governo, que procura dificultar e postergar ao máximo a liberação destes processos.

Um aspecto interessante apresentado pelo longa é o fato de que nessas situações de extrema urgência e necessidade, as pessoas mais desesperadas são as que conseguem se ajudar. É com esse enfoque que surge na trama a presença de uma mãe solteira, Katie, que surge com seus dois filhos em desespero para conseguir um auxílio capaz de sustentá-los, mas, que, também, esbarra na frieza das normas e regras e no desinteresse dos funcionários em, pelo menos, ouvir suas solicitações. Suas tentativas em solucionar o problema, da falta de dinheiro, e seus momentos de fraqueza são aqueles que mais causam algum impacto no espectador, que deverá se lembrar de Eu, Daniel Blake pela cena em que esta abre um enlatado de extrato de tomate, pois já não consegue mais suportar a fome que estava passando, por abrir mão de suas refeições, priorizando a nutrição dos filhos.

Com a premissa que tinha em mãos e com toda a expectativa gerada, após o prêmio em Cannes, Eu, Daniel Blake acaba por não atingir sua potencialidade. Com uma primeiro metade extremamente competente e com algumas cenas marcantes, o longa, em um segundo momento, esvai-se para o repetitivo e não consegue criar novas temáticas para sua proposta. Falta também coragem para arriscar um pouco mais, sendo as resoluções as mais simplórias, que poderiam ser encaixadas no roteiro. A revolta de Daniel é representado em um ato de vandalismo, que não causa qualquer tipo de reação, pois, nem mesmo os demais personagens, que compraram a sua ideia, parecem levar tudo aquilo a sério. Uma cena que deveria ser forte, termina por descambar para a comédia. A cena final, também, não impacta como deveria, pois sua previsibilidade se torna, cada vez, mais perceptível com o passar da projeção.

Apesar de tudo isso, Eu, Daniel Blake é uma boa produção e ganha força com boas interpretações de Dave Johns e Hayley Squires . Talvez não seja superior aos demais competidores do, aclamado, festival francês, mas se visto separadamente e sem qualquer fonte de comparação, será um bom entretenimento ao público e não deixará de proporcionar alguns pontos de reflexão, inclusive, que se os casos se passassem no Brasil, seria preciso uma série de, pelo menos, dez episódios, e algumas temporadas. Nem mesmo alguns órgãos privatizados, como cartórios, conseguem desaparecer com o “ranço” de servidor público. Melhoraram o serviço, mas não atingiram uma qualidade de atendimento aceitável.

Nota do CD:
3.5 out of 5 stars


Sinopse: Daniel Blake (Dave Johns) sofre um ataque cardíaco e é orientado pelos médicos a se afastar do trabalho, por complicações na saúde. O recém-aposentado passa a buscar pelos benefícios concedidos pelo governo a todos que estão nesta situação. Blake não esperava ter de lidar com a extrema burocracia instalada pelo governo, amplificada pelo fato dele ser um analfabeto digital. Em uma de suas inúmeras visitas aos governamentais, ele conhece Katie (Hayley Squires), a mãe solteira de duas crianças, que se mudou recentemente para a cidade e também não possui condições financeiras para se manter. Após defendê-la, Daniel se aproxima de Katie e passa a ajudá-la.

Ficha Técnica:
Gênero: Drama
Direção: Ken Loach
Roteiro: Paul Laverty
Elenco: Briana Shann, Bryn Jones, Colin Coombs, Dave Johns, Dylan McKiernan, Harriet Ghost, Hayley Squires, John Sumner, Mick Laffey, Micky McGregor, Natalie Ann Jamieson, Rob Kirtley, Sharon Percy, Viktoria Kay
Produção: Rebecca O’Brien
Fotografia: Robbie Ryan
Montador: Jonathan Morris
Trilha Sonora: George Fenton
Duração: 100 min.
Ano: 2016
País: Reino Unido
Cor: Colorido
Estúdio: BBC / British Film Institute (BFI) / Sixteen Films / Why Not Productions / Wild Bunch

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