sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Resenha de filme: O Juiz



O Juiz é o típico produto hollywoodiano: filme bem feito com grandes valores de produção, estrelado por um elenco competentíssimo e capaz de elevar o material, e com uma trama com pretensões sérias que busca explorar as relações humanas entre os seus personagens. Pena que o faça lançando mão de muitos clichês dramáticos e resoluções fáceis. É um filme muito parecido com diversos outros que o espectador já viu no decorrer da sua vida, e essa previsibilidade acaba sendo seu maior problema.

Trata-se de uma mistura de drama familiar com filme de tribunal, e no centro dele há uma clara versão da história do “sujeito ligeiramente mau-caráter redimido pela família e pelos valores da cidadezinha pequena”. O sujeito em questão é o bem-sucedido advogado de Chicago Hank Palmer (interpretado por Robert Downey Jr.). Ele é apresentado ao publico, literalmente, como um cara que faz xixi no advogado rival – Downey Jr. repete aqui mais uma variação do seu personagem cínico e de fala rápida que se tornou sua especialidade desdeHomem de Ferro (2008). Hank não se incomoda de defender clientes culpados, porque“inocentes não podem pagar meus honorários”, ele diz, naquele jeito carismático/canalha patenteado pelo ator.

 

Porém, no meio do julgamento sua mãe morre e ele é forçado a retornar à sua cidadezinha natal, Cairlinville, Indiana, para o enterro. Lá ele reencontra seus irmãos Gene (Vincent D’Onofrio), um ex-atleta do baseball, e Dale (Jeremy Strong), que tem uma deficiência mental e o hábito de filmar tudo ao seu redor com sua velha câmera. Hank também revê seu velho pai, o magistrado Joseph Palmer (Robert Duvall), um sujeito tão durão e distante que até seus filhos o chamam de “juiz”. O reencontro familiar, no entanto, se torna um problema bem maior quando o juiz Palmer é acusado de assassinato e Hank acaba assumindo o posto de advogado de defesa do próprio pai, contra a vontade do velho.

O diretor David Dobkin – mais conhecido por comédias como Penetras Bons de Bico (2005) – cria junto com seu roteirista Nick Schenck uma verdadeira história de “filho pródigo”, completa com muita nostalgia e apreço pela vida na cidade pequena americana. Aliás, o longa é muito americano: com suas imagens icônicas como a das bandeiras penduradas nas ruas e conversas sobre baseball, O Juiz é bastante identificado com seu universo. Até o ingênuo Dale, em dado momento da trama, oferece uma sabedoria necessária para o protagonista. É uma visão muito idealizada, claro, mas logo esse espírito mais simples, mais interiorano, acaba causando mudanças no nosso herói, que redescobre sua bicicleta, faz alguns amigos e até reaquece um romance com uma antiga namorada interpretada por Vera Farmiga – e que convenientemente ficou solteira por anos, à espera do protagonista.

Dobkin filma com todo o requinte de uma produção de grande estúdio. Destaca-se especialmente o belo trabalho de fotografia de Janusz Kaminski, que faz uso eficaz da sua tradicional luz branca e intensa vinda do exterior para iluminar interiores escuros, assim criando a atmosfera ideal para cenas especiais como a do funeral ou aquelas passadas no tribunal. O trabalho do elenco também é digno de nota, e Dobkin e seus atores conseguem injetar um pouco de vida até em personagens que não tem muito destaque, como por exemplo o divertido advogado inexperiente vivido por Dax Shepard.

 

Porém, em termos de elenco, o filme pertence mesmo aos dois Roberts. Downey Jr. tem carisma suficiente para conduzir a narrativa, mesmo que o arco do seu personagem seja previsível, e com seu jeito sarcástico, também é responsável pelos momentos de humor da trama. Já Duvall, profissional veterano de tantos filmes, consegue fazer com facilidade o papel do juiz moralista, teimoso e impassível, capaz de se abrir – levemente – apenas em momentos-chave, muitos deles em frente ao seu filho. Para seu mérito, o filme não o suaviza para extrair um drama fácil. Aliás, pelo contrário: algumas cenas entre Downey Jr. e Duvall impressionam pela franqueza e pela veracidade com que retratam o relacionamento dos dois e a condição fragilizada do juiz, cujo ponto de apoio passa a ser o filho.

As atuações de Duvall e Downey Jr., no entanto, não conseguem redimir totalmente o filme eO Juiz acaba sendo prejudicado por problemas de roteiro e pela condução do diretor. Com a roupa suja da família do herói sendo lavada até no meio do julgamento e num excesso de melodrama, além do romance e uma subtrama envolvendo uma possível filha para Hank, o filme se torna inchado e mais longo do que deveria ser. Além disso, Dobkin não demonstra muita sutileza na condução do drama e exagera na dose: uma discussão-chave entre Hank e seu pai ocorre no meio de um vendaval (!), enfiando na cara do espectador o “simbolismo” da relação tumultuada entre eles. Já o antagonista, o advogado da acusação interpretado por Billy Bob Thornton, é batizado, até de maneira engraçada, de “Dickham”, o que já ressalta a sua natureza para a plateia – “Dick” em inglês é gíria pejorativa e pode ser traduzida, de forma leve, como “babaca”.

Eventualmente o profissionalismo à frente e atrás das câmeras consegue se impor, e “O Juiz” termina sendo um entretenimento eficiente. É o tipo de filme que tenta juntar muitos elementos num só pacote: uma família disfuncional, a redenção de um homem, drama de tribunal, suspense, romance… Mas esses elementos não dão liga porque a direção os usa do modo mais displicente e comum possível. Não chega a ser um filme ruim, mas você já viu essa história antes e não deixa de ser interessante o fato de que em pleno século XXI, Hollywood ainda não consegue deixar para trás algumas manias e velhos costumes.



Nota do CD:
2 out of 5 stars


Ficha Técnica:
Gênero: Drama
Direção: David Dobkin
Roteiro: Bill Dubuque, David Seidler, Nick Schenk
Elenco: Balthazar Getty, Billy Bob Thornton, Carol S. Austin, Catherine Cummings, David Krumholtz, Dax Shepard, Denis O’Hare, Emma Tremblay, Grace Zabriskie, Ian Nelson, Jeremy Holm, Jeremy Strong, Ken Howard, Leighton Meester, Lonnie Farmer, Mark Kiely, Matt Riedy, Paul-Emile Cendron, Robert Downey Jr., Robert Duvall, Sarah Lancaster, Tamara Hickey, Vera Farmiga, Vincent D’Onofrio
Produção: Jeff Kleeman, Robert Downey Jr., Susan Downey

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