sexta-feira, 8 de julho de 2016

É preciso falar sobre o espaço da mulher no mercado audiovisual

É cada vez mais frequente o debate sobre gêneros, o empoderamento das mulheres, os direitos femininos e o lugar que elas ocupam na sociedade. Com o advento da internet, as discussões tornaram-se mais presentes no cotidiano e proporcionaram momentos de reflexão. Por outro lado, também cresce o número de eventos audiovisuais voltados para mulheres profissionais da área e/ou que promovem a troca de ideias sobre espaço delas nesse campo profissional. Segundo pesquisa realizada pela ANCINE, dos 128 filmes nacionais lançados em 2015, 99 foram dirigidos por homens, 19 apenas por mulheres e 10 por ambos os sexos.

Recentemente, o Portal Tela Brasil abordou, aqui no Caminhos para a Cidadania, sobre o Share The Screen, iniciativa que o Vimeo lançou para ajudar mulheres cineastas a terem mais espaço e apoio no meio audiovisual (Leia a matéria aqui). A ideia é dar o respaldo por meio de financiamento, workshops e apoio na distribuição via streaming.

Está previsto para ser realizado em outubro o I Encontro Internacional de Cineastas e Produtoras Negras. O objetivo é difundir produções audiovisuais realizadas por mulheres negras que irão participar da Mostra que compõe a programação do Encontro. Neste mês, ocorre, em Recife, o Festival Internacional de Cinema de realizadoras – FINCAR (com término no dia 09 de julho), com a finalidade de debater justamente sobre a presença da mulher no cinema e propor uma pesquisa mais aguçada do processo criativo de produtoras e realizadoras no mundo.

Um outro evento será realizado em 30 de julho com esse foco. É o Encontro de Mulheres Fillmmakere do audiovisual, em São Paulo, que foi criado pela filmmaker Patricia Bernal (para saber detalhes do evento, clique aqui). Há pouco mais de um ano, Patrícia criou um grupo no facebook, batizado de “Mulheres filmmakers”. A ideia surgiu depois que ela voltou de uma temporada na Irlanda e observou a falta de representatividade feminina na área do audiovisual e a necessidade do assunto ser discutido. No grupo há várias profissionais e admiradoras da área que falam sobre as dificuldades no mercado, pensam em melhorias e trocam ideias e experiências. Além disso, Bernal criou e produz conteúdo para o “Câmera na mão”, seu canal no youtube, onde fala sobre empreender com audiovisual e cinema. A maioria dos vídeos é feita pensando no público geral, seja homens e mulheres jornalistas, profissionais e estudantes de audiovisual, mas há aqueles vídeos produzidos especialmente para o público feminino. Por email, Bernal contou ao Tela Brasil sobre as suas observações em relação à área e a necessidade de se criar o encontro, a página no facebook e o canal no youtube que abordem esses assuntos.

Quais são as maiores dificuldades de trabalho encontradas pelas mulheres na área do audiovisual?
Algumas das dificuldades que chegam até mim são: falta de oportunidades (o que consequentemente não permite um desenvolvimento profissional evolutivo), muitas sofrem machismo diretamente ou indiretamente, por exemplo com comentários durante um set ou entrevista da “capacidade” da mulher de executar função. Na área da direção, outro exemplo, a posição firme da mulher muitas vezes, é vista como “fazendo drama” ao invés de ser encarada com respeito e profissionalismo. Outro ponto é que muitos no mercado rotulam as mulheres em determinadas funções, por exemplo, como produtora, assistente de produção, roteirista, diretora (só se for das caladas). Falta de reconhecimento pelo trabalho executado – muitos dos créditos acabam ficando para os homens, ate mesmo quando a mulher está na Direção ou quando teve um papel importante naquela produção audiovisual. Na questão técnica a mulher também é muitas vezes deixada de lado, como se não fosse uma parte pela qual houvesse interesse. E por aí vai.

Hoje em dia o empoderamento feminino é um dos assuntos mais discutidos. Para você, isso já surtiu algum efeito no meio audiovisual?
Com toda certeza e a tendência é aumentar. As mulheres estão ganhando confiança com a união em grupos, coletivos e o assunto sendo discutido em diversos ambientes, como os festivais. Acho que estamos em um momento muito favorável para a mulher, pois elas resolveram falar o que pensam, o que sofrem e do que são capazes. Isso só foi possível por conta de alguns fatores como uma maior autoconfiança, o incentivo das companheiras de trabalho, coletivos e grupos, e o de muitas empresas (se pensarmos em produções institucionais) confiarem no trabalho da mulher, mas o mercado ainda, como um todo não está tão aberto para dar oportunidades. No Cinema acredito que as mulheres que entram para o mercado competitivo estão se fortalecendo com o empoderamento feminino e, muitas, trazendo mais mulheres para o set – não necessariamente pela profissional ser mulher, e sim por ser capaz e ter habilidades para executar aquela função. Se a gente olhar as discussões que estão acontecendo nos Festivais do mundo todo, em Hollywood e no Brasil dentro de grupos e coletivos sendo formados, vemos o quão importante é a questão do empoderamento feminino, pois ele ajuda além de discutir a falta de oportunidades e o machismo, mostrar que há muita mulher no mercado trabalhando, outras querendo aprender e estudante e outras transformando a forma como se faz cinema e audiovisual, com muito mais justiça, igualdade e respeito.

Como surgiu a ideia de criar o grupo “Mulheres Filmmakers”? 
O grupo, inicialmente, surgiu com uma curiosidade muito particular. Foi criado no primeiro semestre de 2015, logo após eu ter voltado da Irlanda (por onde vivi quase dois anos). Como minha carreira profissional no audiovisual e cinema iniciou-se lá eu não conhecia muitas pessoas do ramo no Brasil, minha atividade profissional anterior – e onde estava a minha tribo até então, era de jornalistas (onde trabalhei por 7 anos). Porém, na Irlanda, com meu rápido crescimento na área de audiovisual, minha vivência em coletivos de cinema, e por aí vai, eu lembro de não ter conhecido uma filmmaker mulher e brasileira, apenas atrizes. Então, quando cheguei aqui, fiz algo que fiz lá para me enturmar, fazer networking, etc que foi fazer uma busca pelo Facebook, procurando grupos.….mas não achei nenhum. Então resolvi criar um. Simples assim. E com ele, talvez, eu conseguisse me aproximar, descobrir, e me conectar com essas mulheres da área. Claro que depois que o grupo começou a crescer, fui conhecendo a imensidão de mulheres na área espalhadas pelo Brasil. Fui conhecer as necessidades e dificuldades vividas aqui, e então o que era uma simples ideia de conexão, em alguns meses, virou um projeto pessoal a ponto de dedicar parte de meu tempo para o crescimento do grupo e, consequentemente,  a missão de promover ações para as mulheres da área como um todo.

Como surgiu a ideia de criar o Encontro Mulheres Filmmakers e do Audiovisual?
Após eu descobrir a demanda, as questões e a necessidade de fazer algo a respeito, no ano passado eu decidi que faria o encontro. Minha ideia inicial foi o de reunir e discutir produção audiovisual e cinema. Mas claro, como toda a ideia, ela vai tomando corpo, e vendo as possibilidades, o encontro acabou se tornando quase que um evento, onde vai rolar palestras, rodada de negócios, exibição de curta-metragem, bate-papo sobre cinema, perfomance, networking e muita troca. A demora em rolar esse primeiro Encontro, ocorreu por uma questão de timing, organização, agenda e união do próprio grupo (estamos trabalhando com 12 voluntárias do audiovisual). Se não fosse esse trabalho coletivo, com certeza, eu teria muito mais dificuldade em tornar real a minha ideia. Por isso, agradeço muito a empolgação e dedicação de toda essa mulherada.

Conte um pouco sobre o seu canal no youtube. 
Novamente eu vi a falta de representatividade feminina nos canais de audiovisual no Youtube. Não conhecia nenhuma, a não ser a Lully de Verdade, que fala de Cinema. Porém, um canal que unisse a ideia de Empreender com Audiovisual e Cinema o meu foi o primeiro tanto feito por uma mulher quanto com essa temática empreendedora. Afinal, minha carreira dentro do audiovisual sempre esteve ligada ao empreendedorismo, seja na forma de ir atrás de negócios, como de empreender dentro das empresas com audiovisual. Só pra você ter uma ideia, meu canal, ativamente (com freqüência de 1 vez por semana) começou apenas em Maio desse ano, pois desde sua criação ano passado e até o começo deste ano eu havia publicado por volta de 4 vídeos no total, tinha tido um feedback incrível e tão positivo que eu não dei conta. Então  estava decidida a me dedicar ao canal – fora o grupo, meus projetos em criatividade e a minha produtora, eu tive meio que parar tudo e começar a gravar + vídeos e então organizar todas as tarefas. Muita gente não imagina, mas produzir para o Youtube com qualidade exige muito tempo e dedicação, e como todo o começo de um projeto pessoal, não há remuneração, e por isso, muitos desistem no meio do caminho. Mas uma coisa que digo é que vale a pena e que, com o tempo, você vai aprendendo a se organizar entre os trabalhos com clientes e entre seus projetos pessoais.

O canal no youtube é voltado para as mulheres ou para todos que trabalham no meio audiovisual?
Então, o público do canal varia entre Filmmakers (homens ou mulheres) que atuam no mercado profissional,  estudantes de audiovisual e cinema, Empreendedores (de qualquer área que querem aprender a gravar vídeos para seus business) e Jornalistas que querem expandir seus conhecimentos em audiovisual. Tem uma categoria dedicada as mulheres. Por enquanto, gravei um vídeo sobre o tema do machismo, e em breve sairá outro sobre a mulher atuando no mercado de trabalho, gravado em uma palestra muito boa que rolou esse ano no Festival Path com 4 mulheres, entre elas, Luisa Michelleti, Mirna Fernandes, Rita Moraes e Fernande Weilfeld. Mas muito coisa vai rolar.

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