quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

A importância de levar porrada



“Whiplash” é um filme incrível. Indicado ao Oscar 2015 em 5 categorias, incluindo a de Melhor Filme, o longa conta a história de Andrew, um músico de 19 anos que entra para a Studio Band do regente Terence Fletcher para se tornar um dos melhores bateristas do mundo. A história se desenrola com a tensão entre os dois personagens. A todo momento, o assédio moral de Fletcher – que “pressiona as pessoas além do que se espera delas” por uma série de agressões verbais e físicas – bate de frente com a determinação enlouquecida de Andrew em superar os próprios limites e mostrar a que veio.
Não se enganem: a palavra tensão é usada aqui quase como um eufemismo. Fletcher joga um prato em Andrew, bate no rosto dele ao som de uma contagem para ensiná-lo a manter o andamento da música e insulta sua história de vida para forçá-lo a ir além e corresponder a um padrão altíssimo de qualidade.
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Seu fresco inútil, que chora e baba na bateria como uma criança de 9 anos”
Ah, meu Deus, você é um daqueles com o choro de uma lágrima só?”
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Por outro lado, Andrew é o único estudante corajoso o suficiente para bater de frente com Fletcher também. E o único a levar as exigências do mestre ao nível máximo de dedicação.
Embora eu não leve a sério a possibilidade de Whiplash levar o Oscar de Melhor Filme, recomendo a todos que assistam. É uma história magnífica sobre obsessão e superação. Mas vai além disso.
Você pode amar ou odiar as atitudes de Fletcher e Andrew. Mas isso o filme não te leva a fazer. A história é contada em tom neutro, sem moralismos sobre a violência do professor ou o masoquismo do aluno. E, acima disso tudo, surge a reflexão sobre o que é necessário para atingir a excelência.
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Não há duas palavras mais prejudiciais na língua inglesa do que ‘bom trabalho’
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É a fala de Fletcher que dá o tom da reflexão. E se alguém tivesse dito aos Beatles, quando eles foram recusados por diversas gravadoras, que estava tudo bem, pelo menos eles tinham tentado? A Machado de Assis que já era uma vitória ele ser um autor lido dentro do Romantismo brasileiro? Teriam esses ícones alcançado o patamar de genialidade pelo qual eles são hoje reconhecidos? Teríamos escutado o White Album ou lido as Memórias Póstumas de Brás Cubas?
Você quer ouvir “bom trabalho” ao alcançar um resultado mediano no que ama?
O filme nos leva a pensar, ainda que de maneira extrema, na importância de levar porrada quando se busca a excelência. Nos faz refletir e sentir intensamente a dualidade entre o ideal da perfeição como horizonte inalcançável, mas necessário de se mirar, e os efeitos colaterais que podem vir da obsessão pela genialidade. Qualquer pessoa que tenha para si o objetivo de se destacar pela qualidade da sua atuação em alguma área ganha ao assistir essa história. Com gosto de jazz, sangue e selvageria, Whiplash nos faz pensar sobre nossos próprios objetivos e todos os caminhos infernais ou paradisíacos que podem nos levar até eles.

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