sábado, 20 de agosto de 2016

Chumbo Quente - "O Homem Com a Morte nos Olhos", de Burt Kennedy



O Homem Com a Morte nos Olhos (Welcome to Hard Times – 1967)

O prefeito Will Blue (Henry Fonda), do vilarejo de Hard Times, é um homem de 50 anos que veio àquele lugar isolado para fugir de confusão. Essa cidade é agitada de tempos em tempos, quando trabalhadores de uma mina próxima aparecem para se divertir no saloon. Mas afora esses momentos, o lugarejo fica deserto. Mas a tranquilidade desejada por Blue é abalada quando chega um misterioso pistoleiro ao saloon. Em poucas horas, ele mata impiedosamente várias pessoas e coloca fogo nos poucos barracões que formavam a cidade. A maioria dos habitantes deixa o lugar, mas Blue fica, pois sabe que o assassino um dia irá voltar. E para esse novo encontro o prefeito estará determinado a não fugir.

O projeto foi inicialmente feito para a televisão pela MGM, buscando alcançar o público jovem norte-americano do flower power, mas acabou sendo exibido em salas de cinema. O roteirista/diretor Burt Kennedy, responsável pelos roteiros psicologicamente instigantes dos faroestes do ciclo Ranown, de Budd Boetticher, adapta com bastante fidelidade o livro homônimo de E.L. Doctorow. O refinamento ficou garantido com a fotografia impecável de Harry Stradling Jr., complementada por um elenco de grandes nomes, como Henry Fonda, Lon Chaney Jr., Warren Oates, Elisha Cook Jr. e Keenan Wynn, mas quem realmente impressiona é Aldo Ray, vivendo o silencioso e enigmático “homem de Bodie”, que justifica o nome da cidade (hard times, tempos difíceis) com sua passagem destruidora. O filme, assim como o livro, trabalha a desconstrução da imagem mítica do Velho Oeste, algo mais próximo do que os italianos estavam fazendo com o gênero no período. Ainda que o ritmo irregular do segundo ato prejudique um pouco a experiência, os últimos vinte minutos complementam muito bem o excelente primeiro ato. Todos os esforços do protagonista em reconstruir a cidade são frustrados, assim como são frustradas as suas tentativas de retirar do menino órfão o ímpeto pela vingança, subtrama que soa como uma paródia proposital da relação de Shane e seu pequeno admirador em “Os Brutos Também Amam”. 

O elemento destruidor é representado em tons oníricos, sempre com um sorriso mefistotélico e sem qualquer justificativa para suas ações, quase como se fosse uma força primal destinada a corromper a cidade, microcosmo da civilização. E, vale salientar, não se trata de um índio, figura usualmente demonizada no western norte-americano, o que potencializa o direcionamento ousado da trama. O prefeito, consciente de que está sendo punido por sua covardia no primeiro ataque, terá que enfrentar até mesmo sua insegurança com um revólver, outro detalhe que engrandece esse anti-western. Ele chega a afirmar: “Qualquer homem pode portar um revólver, mas você precisa sozinho apertar o gatilho”. Blue não é o herói clássico das pradarias, está longe disso, ele defende uma postura que poderia ser considerada essencialmente feminina, preocupado apenas em estabelecer um local seguro, enquanto a prostituta Molly (Janice Rule) adota a postura típica dos vaqueiros de Hollywood, determinada a meter uma bala no meio da testa do vilão, um aspecto que pode ter colaborado para as injustas críticas negativas que a obra recebeu à época.


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