Depois da tempestade, a bonança – ou melhor, no caso da série Boardwalk Empire: O Império do Contrabando, depois do banho de sangue, vem o novo equilíbrio de poder. A terceira temporada do seriado da HBO terminou com muita ação e uma contagem de cadáveres significativa. A quarta tem um tom mais contemplativo – até mesmo para os padrões da série – e se fundamenta nas disputas por poder entre os vários personagens. As coisas começam sinistras e ao longo dos episódios elas não melhoram muito. O primeiro personagem a aparecer é o favorito dos fãs, o assassino Richard Harrow (Jack Huston), que perdeu metade do rosto em combate na Primeira Guerra Mundial. Ele é visto matando alguém, mas não sabemos por que e isso só ficará claro mais à frente. Depois ele aparece matando mais alguns homens. Matar é algo no que ele é bom. Já Nucky Thompson (Steve Buscemi), na sua primeira aparição, surge literalmente das trevas. Ele conseguiu recuperar o seu poder em Atlantic City e controla o contrabando de bebida ilegal, mas alguma coisa mudou em seu interior. Ele está mais isolado do que nunca, morando num hotel escuro na beira da praia, cercado de guarda-costas e tendo apenas seu fiel mordomo Eddie Kessler (Vincent Laciura) como companhia. Um dos poucos que parece ter se dado bem após os eventos do terceiro ano foi Chalky White (Michael Kenneth Williams). Como agradecimento por tê-lo ajudado quando ninguém mais o fez, Nucky mexeu uns pauzinhos e transformou Chalky no administrador do Clube Ônix no calçadão de Atlantic City. Numa época em que os negros eram vistos como inferiores e o racismo era generalizado e às claras, Chalky White se tornou poderoso e rico. Porém, ele mesmo não pode se sentar na plateia do clube, só para brancos, e quando alguém esfrega sua cabeça na frente de todos, ele não pode dizer ou fazer nada. Negros podem se apresentar, porém, e assim tem início o principal conflito da temporada, entre Chalky e o Dr. Valentin Narcisse (Jeffrey Wright, frio como gelo). Narcisse é um gângster do Harlem e responsável pelo tráfico de heroína. Mas também dirige uma associação para desenvolvimento dos negros. É o típico hipócrita, mas nunca eleva a voz e sempre parece plenamente convencido do seu poder. Para Narcisse, Chalky é um negro inferior, com sua falta de classe e sua pretensão de subir no mundo branco. Afinal, Narcisse já conseguiu o que Chalky ambiciona. E para piorar, entre os dois existe uma mulher, a cantora Filha Maitland (Margot Bingham, que impressiona pela voz!), protegida do Doutor que se torna a maior atração do Clube Ônix. O conflito entre eles faz as balas voltarem a voar em Atlantic City. Nucky fica no meio entre os dois, e depois da experiência da terceira temporada, parece ainda mais cauteloso e escorregadio – e Buscemi se torna ainda mais direto e cínico na sua interpretação. O conflito Chalky-Narcisse permitiu a Boardwalk Empire ir mais fundo na questão racial neste quarto ano. Trata-se de um ângulo pouco explorado pelos filmes e seriados de Hollywood sobre gângsteres. É interessante notar como, devido ao período histórico, figuras poderosas como esses dois personagens, que comandavam centenas de homens e administravam grandes fortunas provenientes da contravenção, ainda precisavam se subordinar a outros homens simplesmente pela cor da sua pele. Nucky deseja sair de Atlantic City e deixar para trás sua vida criminosa, ainda mais depois de quase ser morto no ano anterior. Por isso mesmo inicia um ambicioso negócio na Flórida. Então, a maior questão da temporada acaba sendo: Ele vai apoiar Chalky, que foi sua tábua de salvação? Existe realmente lealdade entre ladrões? Além desta, outras tramas também movimentaram a quarta temporada, com resultados variáveis. O sobrinho de Nucky, Willie (Ben Rosenfield), se torna uma figura cada vez mais importante e passa a querer participar dos “negócios” do seu tio, o que leva a conflitos entre Nucky e seu irmão Eli (Shea Whigham). Em Chicago, o ex-agente Nelson Van Alden (Michael Shannon) se envolve cada vez mais com o mundo do crime e passa a ser cooptado por Al Capone (Stephen Graham) e seus irmãos. O personagem Van Alden permite à série explorar um curioso subtexto sobre a identidade – afinal, o homem outrora incorruptível perdeu tudo ao tentar lutar contra a corrupção de Atlantic City. A esta altura da série, ele tem uma nova família, novas obrigações e ainda é conhecido por um novo nome, George Mueller. Vê-lo se integrar ao crime e reassumir sua velha identidade é uma das experiências mais marcantes da temporada e, claro, o desempenho de Shannon no seu personagem maluco é absolutamente eletrizante. Outro que se supera nesta temporada é Graham como Capone, cada vez mais explosivo e imprevisível, e de uma forma curiosa, divertido também. Além destes, outro destaque do quarto ano é a atuação ao mesmo tempo estranha e interessante do ator Brian Geraghty, de Guerra ao Terror (2009), como o agente Knox do Bureau de Investigação, o futuro FBI. Adotando uma estranha cadência na voz e uma postura sempre rígida, ele introduz uma tensão cada vez maior na história, primeiro ao se relacionar com Eddie – cujo destino é uma das cenas mais emotivas, e ao mesmo tempo, mais quietas da série – e depois com Eli. A curiosa figura de Knox permite até a entrada em cena do famoso J. Edgar Hoover, interpretado por Eric Ladin. Na época Hoover estava mais preocupado com os elementos agitadores e possivelmente comunistas infiltrados no país, por isso os gângsteres de Atlantic City e Nova York ainda eram meio que ignorados pelo incipiente Bureau. Porém, isso logo ia mudar. Se houve um elo fraco na temporada, foi a trama envolvendo a personagem Gillian (Gretchen Mol). Ao lado de Nucky, ela é a maior sobrevivente do universo corruto do seriado, e sempre que parece derrotada e à beira da morte, ela dá um jeito de sobreviver. Esta temporada a encontra lutando contra o vício em heroína com a ajuda de um novo pretendente, Roy (Ron Livingston). Porém, o desfecho desta trama acaba sendo decepcionante e até um pouco forçado. Além disso, a personagem Sally Wheet, vivida por Patricia Arquette, também ainda não diz a que veio – parece ter sido criada como interesse romântico para Nucky e representar seu desejo de escapar para a Flórida, mas apesar da força da atriz as interações entre seu personagem e o de Buscemi não pareceram tão naturais, por exemplo, quanto aquelas entre Nucky e Margaret (Kelly Macdonald). Esta, aliás, reaparece em Nova York depois do final do terceiro ano, mas não consegue deixar para trás seus dias em Atlantic City e aquele universo de corrupção. Outro personagem que tenta deixar para trás este mundo é Richard Harrow, e de certa forma ele é o mais importante da temporada e o pivô da maioria dos acontecimentos. Ao retratá-lo como um assassino que decide parar de matar, Jack Huston e os roteiristas fazem dele uma figura completamente trágica. É da decisão final dele de que dependerão os destinos de vários outros personagens, e o devastador episódio final deixa esses destinos na balança. Tudo porque um homem resolveu fazer a coisa certa no momento e no lugar errado – um homem que havia feito coisas terríveis, mas que buscava uma ultima chance de encontrar um lar. No começo da temporada um dos personagens cita uma frase do filósofo e matemático francês Blaise Pascal: “Muitos dos problemas da vida de um homem provém da sua inabilidade de ficar quieto e sentado numa sala”. Essa frase é repetida num episódio posterior para comprovar sua importância, e parece ter sido a ideia principal por trás deste quarto ano. Quase todos os personagens parecem ser incapazes de compreender isso, exceto por Nucky. Ele é o homem que evita os problemas e compreende no seu intimo que fazer a coisa certa em Atlantic City pode acabar sendo mortal. |
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Resenha de seriado: Boardwalk Empire – 4a. Temporada
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