quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

“O Filho Eterno” trata da síndrome de Down sem idealizar a paternidade


“Não foi isso que eu planejei pra nossa vida. Não foi isso que eu planejei pra mim!”, desabafa Roberto, personagem de Marcos Veras no filme O Filho Eterno. A frustração do protagonista, desnorteado com o nascimento do filho com síndrome de Down, se reflete na audiência. O longa de Paulo Machline trata da redescoberta do amor na paternidade e aceitação da diferença, mas a jornada é tortuosa. Roberto é inseguro, até mesmo perverso no seu desespero. No choque inicial da notícia, ele chora de alívio ao ler que crianças com Down “morrem cedo”.

“O Roberto não quer se desfazer daquele filho. Ele quer encontrar um jeito de amá-lo. E só com o tempo que ele consegue colar esses pedaços que estão quebrados na sua vida. Embora o personagem fale algumas barbaridades, se deixe consumir pela raiva, essa jornada é necessária. O ser humano precisa de tempo pra compreender as coisas. Para se recuperar de um trauma, você tem que encarar o tempo como uma solução”, afirma o diretor em coletiva de imprensa realizada no último dia 22, em São Paulo.

A produção, que estreia nacionalmente amanhã (1º), é baseada no romance autobiográfico homônimo de Cristóvão Tezza, publicado em 2007. Na adaptação para o cinema, a trama se passa em Curitiba (PR) no inicio dos anos 1980, em uma época de desinformação a respeito da síndrome de Down. O preconceito motiva Roberto a buscar “a cura” da criança, uma inquietação que passa a abalar o relacionamento com a esposa Cláudia (Débora Falabella). Enquanto ela só quer tentar oferecer uma vida normal ao menino, Roberto enxerga nele o fim de seus sonhos de se tornar escritor.

“Mãe ela já é. Ela já tem um laço de afeto com aquela criança que ela gerou, amamentou. Do outro lado, temos um pai que ainda não entende esse afeto. Mas o interessante é que o filme olha sem julgamentos. É um processo doloroso de descoberta, mas é muito humano”, diz Débora Falabella.

Na busca por realização pessoal, Roberto se distancia da família com suas aventuras amorosas e escapadas para o bar. Se torna um personagem trágico, como uma das suas poesias. Um desafio para o ator, conhecido por seus papeis na comédia. “Esse é o meu principal personagem no drama. É o meu maior desafio. Mas dificuldade não está em ser um drama. E sim pela complexidade do personagem, pela delicadeza do tema. Por ser um tabu ainda tocar nesse tipo de assunto”, revela Marcos Veras.

O que suaviza a história é a ingenuidade de Fabrício, interpretado pelo ator-mirim Pedro Vinícius. É seu amor incondicional pelo pai e, especialmente, pelo futebol, o ponto de conexão da história. A narrativa é marcada pela performance da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo, começando com a desilusão da eliminação da seleção de Zico em 1982 até a conquista do Tetra em 1994. Uma metáfora dos altos e baixos da relação de Roberto e Fabrício.

“No livro, o futebol sempre foi uma trégua na relação entre o Cristóvão e o seu filho Felipe, que é torcedor fanático do Atlético Paranaense. O esporte era uma forma de se unirem. Na nossa adaptação, a seleção brasileira foi escolhida por marcar muito claramente a passagem do tempo na narrativa. E, é claro, foi um prazer fazer aquilo, reviver aqueles momentos, como a Copa de 94”, revela o diretor.

Veras conta que a espontaneidade do garoto durante as gravações foi uma experiência de vida, que o impactou profundamente. “A gente teve uma preparação de ir pra Curitiba algumas semanas antes, pra conviver com o Pedro. Em meia hora, já éramos amigos. Ele dá uma rasteira na gente nesse sentido, como toda criança. Apesar do tema ser denso e forte, o processo foi muito feliz. Aconteceu de uma maneira natural comigo, com a Débora, com todo elenco. Ninguém entrou nesse filme e saiu diferente”, garante.

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