quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

“Capital da Fé” reflete sobre o conservadorismo inovador e as contradições de um cristianismo corporativo na religião evangélica brasileira


Em pouco mais de 21 minutos o realizador Gabriel Santos, aborda no documentário Capital da Fé sobre a nova Igreja Evangélica Brasileira. Ilustrado com imagens do espetáculo da Fé e a cristianização de micaretas e esportes de combate corpo-a-corpo, Capital da Fé é um retrato da religião evangélica vivenciada na cidade de São Paulo, trazendo uma tensão entre o conservadorismo inovador e as contradições de um cristianismo corporativo.

O documentário conquistou o Prêmio de Juri Popular Curta Metragem do FAM – Festival Audiovisual Mercosul 2015 concorreu ao Grande Prêmio do Cinema Nacional 2016 na categoria Curta Doca além de ganhar prêmio de Melhor Roteiro de Curta-metragem e de Melhor Documentário no Festival de Audiovisual de Belém. Foi selecionado oficialmente na Bolívia, no Festival Internacional de Cine Santa Cruz 2015, na Itália, no Festival del Cinema Latino-americano de Trieste de 2015, na Argentina, no Festival de Cine Latinoamericano de La Plata de 2016 e para a MOSTRA VII Brazilian Film Series.

Tela Brasil conversou com Gabriel, por email, para saber como foi o processo de criação e produção do Capital da Fé.

Como surgiu a ideia de criar o documentário “A Capital da Fé” e quais os objetivos com esse filme?

A ideia de produzir esse curta metragem surgiu da simples observação da realidade em que o país vive hoje em dia. Temos no IBGE de 2010 aproximadamente 33% de evangélicos praticantes no país, esse número é, no mínimo notável, Se pensarmos  sobre a eleição da presidente Dilma, que foi eleita com  55 milhões de votos, veremos que não está longe de termos um presidente evangélico. Outra questão é a bancada evangélica, que se torna mais importante a cada dia no congresso nacional trabalhando em projetos que, por vezes, favorecem os adeptos e líderes religiosos. Fizemos este filme para versar sobre algumas questões políticas e sociais, para que as pessoas que assistissem, refletissem por alguns instantes sobre o futuro do país e sobre seus posicionamentos políticos. O cidadão deve ser provocado pela arte como um todo, a meu ver, ele deve ser desafiado a colocar-se no mundo como parte tomadora de decisões, esse é o papel da arte, esse é o papel do cinema em minha opinião.

Como foi o processo de pesquisa e produção?
Nós da Equipe do Capital da Fé, ficamos durante 6 meses estudando as questões que envolviam o filme, religião, política, filosofia, etc. Lemos muito para, aos poucos, descobrirmos qual seria nosso filme, acho que essa foi a parte mais importante do processo criativo, a cada nova leitura, a cada nova ideia, o filme se tornava mais sólido em minhas aspirações. Lemos a Bíblia, lemos Santo Agostinho, lemos os livros publicados por pastores, lemos livros que falava justamente das questões “Neopentecostais” atuais, enfim, foi uma pesquisa árdua, mas crucial para extrairmos o melhor de todas as alusões da equipe. No início pensávamos em fazer um longa metragem, porém, devido ao potencial de produção que tínhamos naquele momento, assumimos o curta metragem focando apenas na cidade de São Paulo, mostrando a atuação das igrejas em diversas regiões. Decidimos estudar somente as maiores igrejas do Brasil, e qual a influência na vida do cidadão. Visitamos muitas instituições, trabalhando muito a nossa empatia com o “fiel”, buscávamos entender quais as motivações de quem entrega sua vida a essa religião, seus bens, sua família, etc. Estivemos na Igreja Universal, na Igreja da Graça, na igreja mundial, na igreja Renascer em Cristo, na Cidade de refúgio da Pastora Lana Holder, onde o público LGBT, dissidentes de outras instituições se encontram para continuarem a cultuar sua fé, entre outras. Pretendíamos ter trabalhado no resultado final da produção  o ponto de vista do “fiel” de forma mais aprofundada, porém nos 20 minutos que tínhamos para contarmos nossa história, não haveria espaço para essa discussão que não discorresse de forma leviana, decidimos, então, por  um “ensaio” sobre as principais questões que envolvem o tema, sabendo também, que mais coisas estariam de fora, infelizmente.

 Houve algum fato que te surpreendeu?
Não foi realmente uma surpresa, mas sentimos na pele que falar desse assunto é muito mais complicado do que pode parecer, muitas questões sociais contribuem com o crescimento dos adeptos “Neopentecostais” no país, vemos regiões com mínima interferência das políticas públicas, vimos pessoas que precisam do governo para ter o mínimo necessário para ter uma vida praticável. Sabemos que os filhos dessas pessoas são absorvidos pelo tráfico de drogas, muitas dessas famílias precisam de amparo emocional para superarem alcoolismo e outros obstáculos da nossa desigualdade moderna. Nesses lugares a Igreja Evangélica se faz necessária e se coloca como a solução “Panacéica” de todos os problemas. O fato de que a Igreja Evangélica no Brasil virou um “Modelo de Negócio” que está dentre os mais rentáveis, hoje em dia, não me assusta mais do que o descaso dos nossos governantes essa parcela da população.

Quais foram os desafios para realizá-lo?
Os maiores desafios que enfrentamos foram os custos de produção e dificuldade  para conseguirmos autorização de filmarmos em algumas igrejas. No caso da parte financeira, não pudemos contar com o apoio de leis de incentivo nem de patrocínio privado. Para lidar com isso, fizemos algumas festas na Rua Augusta onde os apoiadores do filme seriam nossos convidados, pagando a entrada e contribuindo com parte do valor para a nossa produção, essa foi a alternativa mais plausível e justa para que quisesse e pudesse nos apoiar. No caso das autorizações de filmagem, vimos que algumas igrejas não permitem nem serem abordadas, como foi o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, queríamos ter filmado a construção do Templo de Salomão localizado no Brás, porém, ao abordarmos a assessoria de imprensa para tentarmos uma conversa fomos tratados com hostilidade, disseram que se filmássemos o Templo teríamos sérios problemas com o “Jurídico” da instituição.

Você teve alguma referência  audiovisual para fazer o “A capital da fé?”
Usamos algumas referências cinematográficas e musicais para a composição do filme, por exemplo, em determinada parte do filme, que chamei carinhosamente de “Valsa da Cielo”, fizemos uma edição de imagens que mostravam pessoas pagando seu dízimo em máquinas de cartões de débito e crédito, no momento em que filmamos esse fato lembro-me que senti que a cena possuía algumas notas Surrealistas, por isso, usamos a trilha sonora do filme “Um cão Andaluz” de Luis Bunuel, mestre do surrealismo cinematográfico. Outra referência muito forte foi a produção de cultos em massa de algumas Igrejas, como a da Igreja da Graça que possui dez cultos diários, com todas as cadeiras ocupadas e com o ritual do dízimo em todos as oportunidades. Isso me aludiu a “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, para a referência, fizemos um “Time Lapse” da entrada da Igreja Mundial com áudios de máquinas industriais trabalhando. Tentamos trabalhar com a música clássica quase o tempo todo devido à seriedade do assunto e a estética que decidimos seguir, trabalhando também com temas religiosos na fotografia, como a iluminação de estúdio ao estilo Caravaggio.

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