segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A jornada Hobbit e a jornada cristã: a relação entre O Senhor dos Anéis e o Cristianismo

 
J.R.R. Tolkien é considerado, por muitos, como o pai da literatura fantástica: ele criou um mundo com povos, línguas, canções, culturas e histórias. O professor, sempre muito rigoroso com o que seriam histórias de fadas (vide seu ensaio “Sobre Histórias de fadas”), fez uma obra prima, atuou como genial subcriadorde um mundo que nenhuma outra palavra senão fantástico poderia defini-lo. Entretanto, querendo ou não, para a infelicidade do professor, ele quebrou uma de suas regras transcritas no ensaio: a alegoria. É uma alegoria bem tênue, bem mais suave que as feitas por C.S. Lewis (amigo que teve as obras duramente criticadas pelo professor) em “As Crônicas de Nárnia”.
Talvez fosse por ser um cristão exagerado e não ter percebido o que fizera, porém, parece ser bem claro que ela está ali e bem fundamentada. A alegoria não acontece diretamente com histórias Bíblicas, como na obra de Lewis: são mais os conceitos cristãos. É claro que há exceções, em que as histórias se assemelham bastante, mas isso será analisado mais abaixo.
 
Os Hobbits:
 
O que um povo pequeno que é mais baixo que anões, que é totalmente caseiro e não gosta de aventuras tem a ver com a Bíblia? O que o filho de um carpinteiro tem a ver com os Hobbits da Terra-Média? A simplicidade. Quem imaginaria que o escolhido para salvar a “humanidade” do mal seria um desses? Com tantos guerreiros, líderes, políticos, etc., como um simples hobbit ou um filho de carpinteiro seriam escolhidos para trazer a salvação? Mas não somente isso: isso representa que o mais pequenino dos seres pode fazer um bem imenso e combater a maldade, não importa o tamanho, ou a simplicidade. Um ponto que vale a pena ser observado é: apesar de algumas desavenças que os hobbits possam ter, eles conseguem ser acolhedores e bondosos – o que pode ser visto no livro “O Hobbit”, em que Bilbo abriga em sua casa 13 anões, sem nem os conhecer e que mexem em tudo na sua casa e fazem uma bagunça enorme.  Outro ponto é a caridade da cultura hobbit, em que “Os hobbits dão presentes para outras pessoas em seus aniversários. Em geral não muito caros [...]; mas esse sistema não era muito ruim.”, o que ressalta o “dar antes de receber” do Cristão, e o agradecimento para com o próximo, mesmo que de forma bastante sutil.
 
“… – Entre os Sábios, eu sou o único que sabe sobre a tradição hobbit: um ramo de conhecimento obscuro, mas cheio de surpresas. Podem ser moles como manteiga, porém às vezes duro como velhas raízes de árvores. Acho provável que alguns possam resistir aos Anéis por muito mais tempo do que os Sábios imaginam.” (Gandalf)

O Um Anel:
 
“[...] – Ele é muito mais poderoso do que jamais ousei pensar no início, tão poderoso no final que poderia literalmente dominar qualquer um da raça dos mortais que o possuísse. O Anel o possuiria.”
 
Acima, Gandalf fala sobre a influência do Um Anel sobre os seres que tentam possui-lo, quando, na verdade, o Anel que os possui.
 
“- Havia mais que um poder em ação, Frodo. O anel estava tentando voltar para seu mestre. Tinha escorregado da mão de Isildur e o traíra; depois, quando houve uma chance, pegou o pobre Déagol, e este foi assassinado; e depois disso Gollum, e o Anel o devorou. Não podia mais fazer uso dele: Gollum era pequeno e mesquinho demais, enquanto permanecesse com ele o anel jamais deixaria o lago escuro. Então nesse momento, quando seu mestre estava novamente acordado e enviando seu pensamento escuro da Floresta das Trevas, ele abandonou Gollum. Para ser apanhado pela pessoa mais improvável que se poderia imaginar: Bilbo, do Condado.”
 
Novamente, vê-se a improbabilidade de um hobbit do Condado ter alguma influência tão grande no mundo. Primeiramente com Gollum, que aparentemente era um Hobbit, e exatamente por isso sobreviveu tanto tempo ao anel, sem ter se destruído ou destruído aos outros.
 
“… – Até mesmo Gollum não estava totalmente arruinado. Provou ser mais resistente até do que um dos sábios poderia imaginar.”
 
 O Anel não provoca somente a tentação, ele é como um fardo, um peso, uma dificuldade para encontrar a paz. Seguir no caminho cristão não é tão fácil, seguir à risca, de maneira ortodoxa, o que pode ser comparado com a reta final para a Montanha da Perdição. Sam e Frodo estão na reta final, e o Anel traz um peso imenso para Frodo. Ele larga a armadura de orcs para fazer essa reta final como ele, parando de se esconder em meio a essa terra desprovida de vida e bondade – ele segue como um hobbit. Ao chegar ao pé da montanha, Frodo quase não se aguenta mais em pé, e Sam o carrega nas costas. Aí se nota a importância do outro para te manter no caminho até o final, de se ter um amigo para te segurar quando você precisar, ao mesmo tempo mostrando a dificuldade da persistência.
“-Aí está! – veio a resposta. – É tudo inútil. Ele mesmo o disse. Você é o tolo, continuando a ter esperanças e se esforçando. [...] Mas vai morrer do mesmo jeito, ou em condições piores. É melhor se deitar e desistir de tudo. Nunca vai chegar ao topo, de qualquer forma.

-Vou chegar lá, mesmo que deixe tudo, exceto meus ossos, para trás – disse Sam. – E eu mesmo vou carregar o Sr. Frodo, mesmo que isso arrebente minhas costas e meu coração. Então pare de discutir!”
Gandalf e Saruman:
 
“’E por que não Gandalf? ’ sussurrou ele. ‘Por que não? O Anel Governante? Se pudéssemos dominá-lo, então o Poder passaria para nós. Foi por isso, na verdade, que o trouxe até aqui. Pois tenho muitos olhos trabalhando para mim, e acredito que você sabe agora onde esse objeto precioso está. Não é verdade? Ou então, por que os Nove querem saber sobre o Condado, e qual é o interesse que você tem lá? ’”.
 
Aqui temos dois Maiar. São seres místicos que desceram ao Arda (igualado ao Sistema Solar, ou também utilizado para a Terra especificamente) para construí-lo. Mas o que se pode encontrar de comparação é o caráter dos dois: um representa o fraco, enquanto o outro, o forte. Saruman foi o primeiro a embarcar, era o mago branco do conselho, o mais alto e forte, e deveria guiar os povos nesse momento de crise, quando Sauron preparava-se para voltar. No entanto, Saruman se amedrontou e cedeu à tentação do poder do Senhor do Escuro. Gandalf, no entanto, apesar de não ser um mago à altura de Saruman, enfrenta-o quando percebe que o mago branco está fazendo o errado, o mal, e cedendo para o lado ruim. Gandalf, ali, mostra, novamente, que há de se enfrentar até o superior, quando este está errado em relação ao bem. Após um tempo, Gandalf luta com um Balrog e o derrota. O seu retorno dá uma ideia de ressurreição, já que no primeiro livro acredita-se que ele morreu e, quando ele retorna, volta como um mago branco.
 
“E então cometi um grande erro. Sim, Frodo, e não o primeiro; embora receie que possa ter sido o mais grave. Deixei as coisas acontecerem. Deixei-o escapar, pois tinha muito em que pensar naquela época, e ainda confiava nos estudos de Saruman. – Bem, isso foi anos atrás. Paguei por isso com muitos dias escuros e perigosos. Já fazia muito tempo que o rastro era antigo quando comecei a segui-lo novamente.”
 
Aí nota-se o arrependimento de Gandalf em dois pontos: em não ter agido – procurando mais e melhor o Um Anel – o que é ruim para o Cristão, ver o mal e não agir contra ele, e em acreditar nos estudos de Saruman. Talvez este segundo ponto não contenha um arrependimento total, já que Gandalf ainda confiava bastante no mago branco – porém já devia desconfiar disso, sendo um mago e sábio também.
 
O início de tudo:
 
Nada melhor para acabar a matéria do que o início da história do universo em que se ambienta a Terra-Média – contida n’O Silmarillion. Eru Iluvatár é o deus supremo de Arda, seu criador onipotente. Porém, são os Ainur (conhecidos como os Sagrados, pela língua Quenya) que executam a maioria das ações de Eru na Terra. Os Ainur muitas vezes são comparados com anjos, no entanto não há muitas descrições sobre eles, já que podem tomar várias formas, até de seus pensamentos. Melkor era um Ainur que se rebelou contra os outros e contra Eru. Pelo seu orgulho de querer fazer sons de sua autoria durante as músicas dos Ainur, Melkor atrapalhou a melodia em conjunta, irritando Eru, indo para a escuridão e tornando-se Morgoth.
 
Essa poderia ser considerada a “alegoria” a mais clara de todas, contida não só num conceito, mas sim diretamente com o Gênesis bíblico: Eru poderia ser comparado a Deus; os Ainur, como já dito, a anjos; Melkor, nos remeteria a Lúcifer e Balrogs – que são Maiar seduzidos por Melkor durante a melodia de sua autoria entre a música dos Ainur – assemelham-se com demônios, inclusive na imagem que temos de sua aparência.
 
“Havia Eru, o Único, que em Arda é chamado de Ilúvatar. Ele criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados por seu pensamento, e eles lhe faziam companhia antes que tudo o mais fosse criado. E eles lhe falou, propondo-lhes temas musicais; e eles cantaram em sua presença, e ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo, eles cantaram cada um sozinho ou apenas alguns juntos, enquanto os outros escutavam; pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos. Não obstante, de tanto escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-se mais consonantes e harmoniosos.”
 
Para ler mais sobre a alegoria feita por Lewis, clique em: Crônicas de Nárnia e a Bíblia: relações, influências e O Cristo
 
Para ler mais “Sobre Histórias de fadas”, clique em: O que falar Sobre histórias de fadas?
 

 

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