sábado, 15 de outubro de 2016

CineBH resiste: festival completa 10 anos questionando o sentido do cinema


O CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte completa uma década sem esconder certa inquietação. Com o tema O plano contra a imagem: cinema da resistência, o festival questiona o próprio sentido do cinema em mundo cada vez mais imerso em imagens em movimento. “A revolução tecnológica provocou uma democratização da produção ao mesmo tempo em que banalizou o audiovisual. Precisamos entender esse momento de profunda transformação não só do cinema, mas das nossas vidas”, define Raquel Hallak, diretora da Universo Produção e coordenadora geral da Mostra CineBH.

Realizado entre os dias 20 e 27 de outubro na capital mineira, o evento exibe 57 filmes nacionais e internacionais. Entre os destaques, Beduíno, longa do diretor Julio Bressane que levou 14 anos para ser concluido, e pré-estreia do filme mineiro Elon Não Acredita na Morte, de Ricardo Alves Jr, baseado na obra de Lourenço Mutarelli.

A programação gratuita também conta com presença do renomado crítico italiano Adriano Aprà, considerado um dos principais especialistas na história do cinema de sua geração. Ele irá ministrar uma masterclass sobre a obra dos cineastas Carl Theodor Dreyer, Kenji Mizoguchi e Michelangelo Antonioni. Para outros detalhes sobre o calendário, acesse aqui.
Em entrevista para o TELA BRASIL, Raquel Hallak reflete sobre o legado da mostra nesses dez anos e propõe alguns caminhos de fomento a produção nacional.

Nesta edição, o festival questiona o próprio sentido do fazer cinematográfico, com o tema “O plano contra a imagem: cinema da resistência”. Que cinema de resistência é esse?
Por muitos anos, o cinema monopolizou o audiovisual. Hoje tem que competir até com um celular. Então qual o papel do cinema nesse mundo imerso em imagens em movimento? É o de memória compartilhada? É um ritual, o ato de ver um filme numa sala escura? Ou um modelo de negócio, uma mercadoria? São mais dúvidas do que certezas, mas a mostra acredita que ainda há espaço no cinema para a resistência contra a mentalidade publicitária e marqueteira da indústria.

Que exemplo de cinema de resistência a programação traz?
O cinema português é emblemático. É um país com apenas 547 salas de cinema, enquanto que países como a França contam com 5,7 mil salas, na Espanha, 3,5 mil, e no Brasil, dois mil. É uma atividade pequena, quase sem retorno econômico. Livre da pressão comercial, a produção do país criou uma visão de mundo, com um pensamento estético. Não encaramos essa ausência de mercado nem como positiva e nem como negativa. Mas ela exemplifica uma das formas de resistências que gostaríamos de falar.

Manter um festival por tanto tempo, longe do eixo Rio-São Paulo, não deixa de ser também um ato de resistência. Como você avalia a trajetória do festival nesta década?
Minas Gerais é o estado com o terceiro maior PIB do país, mas ainda é um peixe fora d’água quando falamos de um mercado audiovisual. A capital já teve 120 salas de cinema de rua, hoje conta apenas com seis para atender uma cidade de três milhões de habitantes. O CineBH surgiu como uma possibilidade de fomentar uma cultura cinematográfica no estado. O festival nasce no bairro de Santa Teresa, ocupando uma sala de 1945, que estava completamente abandonada desde os anos 80. Foi muito importante estabelecer esse contato com a comunidade, assegurando uma sala de cinema num dos bairros mais antigos da cidade. É um dos legados do festival, um canal aberto de diálogo com a população.

Outra ação importante na construção desse projeto é o CineMundi, que promove encontros de investidores e cineastas. É um evento de mercado, com a proposta de estimular a coprodução e circulação de filmes brasileiros no exterior.

Qual o modelo de negócio que o CineMundi propõe?
Em um país cuja produção cinematográfica é tão dependente de leis de incentivo, o CineMundi pretende ser uma alternativa de financiamento baseado na parceria global. Nós não temos nenhuma pretensão de ser um megaevento, tanto que chegamos à sétima edição mantendo um caráter de encontro familiar. São 10 projetos selecionados, em diferentes fases de produção, alguns já próximos da finalização, outros ainda pré-produção.
Os filmes selecionados terão a oportunidade de se beneficiar de um acompanhamento e preparação com profissionais internacionais. Estão confirmados 21 convidados de 12 países, com representantes de festivais como Torino FilmLab (Itália), Ventana Sur (Argentina), Cinélatino – Toulouse (França) e, nesta edição, a novidade da parceria com o Doc Montevideo (Uruguai). Os prêmios incluem recursos financeiros, equipamentos e pós-produção.

Quais são os impactos que vocês percebem na produção audiovisual mineira após o CineBH?
O que percebemos hoje em dia é uma produção mineira efervescente. Muitos projetos que participaram de edições passadas do CineMundi, já participam da programação do CineBH deste ano. Como é o caso de “Elon Não Acredita Na Morte”, premiado no Festival de Brasília este ano. Outro que passou pelo CineMundi em 2012 e retorna pra ser exibido pela nossa programação é o “Antes O Tempo Não Acabava”. Antes a gente não via uma produção mineira e, aos poucos, mais filmes estão surgindo, de forma constante, ganhando prêmios e achando um público dentro do nosso festival.

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