terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"O Regresso", de Alejandro González Iñárritu


O Regresso (The Revenant – 2015)

Em uma expedição pelo desconhecido deserto americano, o lendário explorador Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) é brutalmente atacado por um urso e deixado como morto pelos membros de sua própria equipe de caça. Em uma luta para sobreviver, Glass resiste à dor inimaginável, bem como à traição de seu confidente, John Fitzgerald (Tom Hardy). Guiado pela força de vontade e pelo amor de sua família, Glass deve navegar um inverno brutal em uma incessante busca por sobrevivência e redenção.

O maior perigo para um cineasta é se tornar vítima de seu próprio estilo, o que, eventualmente, conduz à autoparódia involuntária. O mexicano Iñárritu estreou com o excelente “Amores Brutos” e, nos anos seguintes, ele repetiu, sem o mesmo brilho, aquela grandiosa estrutura narrativa. Ao reduzir o escopo temático em “Birdman”, mantendo a intensidade na abordagem, ele renovou sua criatividade. Com “O Regresso”, auxiliado pela fotografia sempre impecável de Emmanuel Lubezki, ele reverencia visualmente Tarkóvski e, de forma mais óbvia, o Malick da segunda fase de carreira, porém, enfraquece o resultado final optando por transformar um simples conto de vingança sem ramificações existencialistas interessantes em um épico de quase três horas. Não é por acaso que todos os veículos estão salientando o impacto de apenas duas cenas, a força da trama é esvaziada pela tentativa óbvia de alcançar um padrão legítimo de grandeza, leia-se, características que possam garantir prêmios. 

Como eu sempre afirmo, poucos são os filmes que verdadeiramente se beneficiam com mais que cem minutos de duração, tempo suficiente para contar eficientemente qualquer história. Boa parte da gordura extra é representada pelo uso excessivo de tomadas com lentes grandes angulares reforçando a pequenez do homem diante da natureza, um recurso já desgastado, ainda mais quando emoldura um roteiro honesto e correto, escrito pelo próprio diretor e pelo fraco Mark L. Smith (dos horrorosos: “Temos Vagas” e “O Buraco”), mas essencialmente raso. Sem pensar duas vezes, eu optaria por rever a primeira adaptação cinematográfica da história: “Fúria Selvagem”, de 1973, com Richard Harris, ao invés de me aventurar novamente por esse exercício autoindulgente bonito, mas bastante arrastado.

Leonardo DiCaprio trabalha bem com o material que lhe foi oferecido, reagindo aos impulsos físicos que o personagem pede nas maiores adversidades, porém, seus momentos introspectivos não fogem do lugar comum, afinal, o ator precisa encontrar nas páginas do roteiro um subtexto que o ajude a compor o personagem além da caricatura. Como o texto é mediano, ele força a mão nos excessos. Não é, nem de longe, a melhor atuação da carreira dele. Ele acaba se tornando, enquanto ator, um coadjuvante de luxo, eclipsado pelo amor do diretor pela própria imagem, algo que pode ser constatado em vários momentos, como na cena que fecha o filme, uma escolha sem qualquer coerência com o que havia sido estabelecido até então. A câmera, na sua ânsia por se fazer presente, acaba sacrificando a beleza de pequenas cenas, desviando a atenção do elemento humano e do conflito do momento. 

Toda a primeira sequência, o ataque dos índios à expedição, que me remeteu ao início de “O Resgate do Soldado Ryan”, sem cortes, enfocando o caos e a selvageria do confronto, funciona brilhantemente, o primeiro ato da obra é uma aula de ritmo. O problema é que a fragilidade do roteiro se faz óbvia no momento em que, tudo levava a crer, a história iria realmente se tornar interessante. A resiliência do protagonista, fio condutor do segundo ato, não se sustenta devido à unidimensionalidade de sua composição, que não é ajudada pela opção preguiçosa por flashbacks esporádicos, inseridos de maneira desastrada, que nos levam a conhecer, em teoria, suas motivações e angústias, mas, sem o interesse prévio no investimento emocional do espectador, o recurso acaba não funcionando de forma prática. É necessário que o espectador conheça bem o personagem antes de ser levado a sofrer/torcer por ele. O antagonista vivido por Tom Hardy é mais intrigante, tem mais potencial, ainda que o roteiro também falhe com ele.

Resumindo em poucas palavras, “O Regresso” é como grande parte do povo brasileiro: busca aparentar ser algo grandioso, ao invés de se dedicar para efetivamente sê-lo. 

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