Está previsto para o dia 16 de julho o lançamento de A Nação que não esperou por Deus, mais novo trabalho da cineasta Lúcia Murat. O documentário foi filmado em 2013/2014 na aldeia dos índios Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, mesmo cenário para Brava Gente Brasileira, em 1999. O novo filme mostra as transformações que os Kadiwéu passaram durantes esses 15 anos: a chegada da luz elétrica, a televisão, as novelas e entretenimento. Foram criadas cinco igrejas evangélicas, sendo todas elas lideradas por pastores índios. A Nação que não esperou por Deus também mostra que os Kadiwéu voltaram a defender a demarcação de terras, retomando áreas no poder dos pecuaristas da região.
A carreira de Lúcia Murat é conhecida por ter consagrados documentários e trabalhos, muitos deles influenciados por sua vida pessoal. Na época em que cursava Economia, ela militou em grupo estudantil, chegou a ficar na clandestinidade após o AI-5 em 1968 e foi presa em 1971. A cineasta foi vítima da ditadura militar passando por torturas físicas e psicológicas. Experiências como essas refletiram em produções como o docudrama Que Bom Te Ver Viva, composto por depoimentos de mulheres que também foram torturadas e nas ficções Quase Dois Irmãos e A Memória que contam. A diretora respondeu perguntas do Portal Tela BR sobre A Nação que não esperou por Deus, desafios como cineasta, ditadura, o significado de uma mulher também torturada pela ditadura ocupar o cargo de presidente da república, além de adiantar sobre outro novo filme, com Nathalia Timberg e Andréa Beltrão. Você confere o papo abaixo: Quando a senhora filmou “Brava Gente Brasileira”, já tinha ideia de voltar anos depois ao Mato Grosso do Sul e fazer “A Nação que não esperou por Deus”? Eu fiquei muito tempo envolvida com o projeto Brava Gente Brasileira. A primeira vez que fui à aldeia foi em 1996 e filmei em 1999. Foi muito tempo de pesquisa e de contato, durante o qual me aproximei de muitos deles. Em 2000, durante o lançamento, nós voltamos a Campo Grande. Dali em diante, mantive contato por telefone. De tempos em tempos, tinha alguma notícia. Em 2005, comecei a pensar num documentário que retratasse a história deles. Mas era apenas uma ideia. Em 2009, voltei à reserva quando vi que tinha chegado a luz elétrica e com ela a televisão. Foi aí que decidi fazer o documentário e comecei a desenvolver o projeto. Sabia que poderia trabalhar em cima de um tempo largo, o que é sempre bom para um documentário. Tínhamos o Brava gente Brasileira, o material de pesquisa rodado em Hight 8 omo, pesquisa para o documentário e poderíamos filmar a realidade atual. De certa maneira, a gente estaria tratando com três épocas distintas: fim do século XVIII (época em que se passa a ficção e para a qual tínhamos realizado uma imensa pesquisa), anos 90 e hoje. As mudanças foram impressionantes. Mas as nossas também foram, não? E é um pouco isso que o filme observa. Ao assistir o documentário, dá a sensação que a senhora ficou próxima dos índios Kadiwéu. Em uma passagem, uma índia conta sobre o nome da filha. A princípio seria um nome, mas deu a entender que a senhora teria mudado a pronuncia dele Manteve contato com eles durante esses 15 anos que separam o primeiro e o segundo trabalho? Sim, eu me sinto próxima e amiga de muitos deles. Quinze anos, é muito tempo. Suficiente para perguntarmos pelos filhos e chorarmos os nossos mortos, as nossas perdas. O que mais a surpreendeu ao voltar a encontrar os Kadiwéu? A chegada da luz é a grande mudança. A ampliação da escola, o posto de saúde novo. Sente-se uma melhoria nas condições econômicas, como no interior em geral. Eles estão dentro desse contexto econômico (ou seja, luz para todos, bolsa familia, cota em universidade). Ao mesmo tempo, dá uma dor muito grande todos os antigos terem morrido e, com eles, muitos dos rituais. É um outro momento. Mas, talvez o que mais me tenha impressionado, foi a retomada da persona guerreira. Em Brava Gente Brasileira, falávamos de um povo que tinha derrotado os invasores várias vezes. Nessa volta foi como se essa persona guerreira estivesse ali presente, pois chegamos e registramos os primeiros dias após a retomada das terras que estavam em mãos de pecuaristas. Pretende fazer um terceiro documentário sobre eles? Não, no momento não tenho essa proposta. Acho que agora é provável que eles mesmos sejam os próximos a fazerem um documentário. Jovens kadiwéus estão na universidade. Muitos falam de resgatar a cultura, fazer documentários. Tenho certeza que eles vão fazer e alguns – quem sabe? -vão usar o material que rodei. Como o cinema entrou na sua vida? Isso foi há muito tempo atrás. Em 1978, quando fui a Nicarágua fazer um documentário sobre a queda do Somoza e ascensão dos sandinistas. Depois, foi paixão e muitos encontros. Como você define sua obra? Acho que vocês é que devem definí-la. Eu fiz o que senti, o que foi importante para mim em cada um dos meus filmes. Tive o privilegio de fazer um cinema que vinha das minhas necessidades mais profundas. Quais são os maiores desafios como cineasta? A cada passo. Pensar no projeto, no roteiro, saber adaptar o roteiro à realidade da filmagem e ser criativo para tirar algo dessa filmagem além do roteiro. E no final, ter paciência, muita paciência na montagem para fazer ai o seu filme. Filmes como A Memória que contam e Que Bom Te Ver Viva retratam o período da ditadura. Há planos de fazer alguma outra produção relacionada à ditadura? Por agora, não. Cada um desses filmes partiu de um desejo daquele instante, que me forçou a fazê-lo. Precisaria de mais um motivo íntimo para voltar a fazê-lo. Para a senhora, qual o significado de ver uma mulher que também foi vítima da ditadura, chegar ao cargo de presidente da república? Num primeiro momento, foi muito emocionante. E acho que o que vale é esse primeiro momento, quando ficou sacramentado que terrorista foi a ditadura. Depois, vem o poder e os problemas do poder. Ai começa outra história. Qual a avaliação sobre o atual cinema brasileiro? O que deve ser mudado? Acho que o nosso grande ponto de estrangulamento hoje é a distribuição. Se compararmos com 10 anos atrás, a queda no mercado do filme independente, ou mesmo do filme médio, deve ser de 50%, em termos de número de espectadores. Os dados da Ancine comprovam isso. Filmes que faziam 100 mil estão fazendo 10 mil, 20 mil. Acho que essa questão que merece uma nova política. Atualmente está realizando algum outro trabalho?
Devo apresentar já no segundo semestre um longa chamado Em três atos. É um filme sobre a velhice, o ciclo da vida, que trabalha também com dança contemporânea . Tem um belo elenco formado por Angel Vianna e Maria Alive Poppe (bailarinas), Nathalia Timberg e Andréa Beltrão.
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sábado, 4 de julho de 2015
Depois de 15 anos, índios Kadiwéu voltam a ser personagens do novo documentário de Lúcia Murat
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