12 – O Que há, Tigresa? (What´s up, Tiger Lilly? – 1966)
Allen demonstra já em seu primeiro trabalho a sua tremenda cara de pau, no bom sentido, se é que existe um, ousando pegar uma sátira japonesa dos filmes de espionagem, em ascensão à época, graças ao James Bond de Sean Connery, e redublar. Logo nas primeiras cenas, vemos o diretor sentado em um respeitável escritório, explicando que ele havia sido convocado por Hollywood a fazer o filme de espionagem definitivo. Quando questionado sobre o ineditismo de tal façanha, a redublagem, ele responde que o mesmo já havia ocorrido outras vezes, como em “E o Vento Levou”. Bastam três minutos para o jovem cineasta mostrar seu talento. Hoje em dia é comum vermos esse artifício ser utilizado em programas de televisão, filmes, como o horrível “Kung-Pow – O Mestre da Kung-Fu-são”, e até sucessos do Youtube, como “Bátima - Feira da Fruta”, mas na década de sessenta ele foi o pioneiro dessa arte extremamente duvidosa.
11 – Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão (A Midsummer Night´s Sex Comedy - 1982)
O roteiro foi concebido em apenas duas semanas, encomendado pelo estúdio no intuito de tapar o buraco que seria causado pelo atraso na produção de "Zelig". A pressa é facilmente perceptível no trabalho concluído, com personagens pouco desenvolvidos, como o médico que é mostrado como uma pessoa centrada, mas que tenta se suicidar por não ter o amor de uma mulher que acaba de conhecer, ainda que ele possua algumas cenas muito boas, o seu conjunto é bastante irregular. Buscando inspiração em seu ídolo Ingmar Bergman, especificamente em "Sorrisos de Uma Noite de Amor", de 1955, o roteiro explora o jogo de flerte entre três casais que se reúnem em um idílico local, para celebrar o casamento de um deles. Foi o primeiro projeto que contou com Mia Farrow, numa longa parceria que renderia ótimos frutos artísticos e um problemão na justiça. Dentre os pontos altos, destaco o rompante de libido de Adrian com o marido, após receber da espevitada Dulcy, algumas dicas de sexo (Allen: "Não podemos fazer sexo no lugar onde nos alimentamos, além do mais, tem um homem entoando o Pai Nosso na sala, iremos ficar cegos"). Simplificando sua opinião sobre a importância das relações sexuais, o personagem de Allen afirma: "Sexo alivia a tensão, enquanto o amor causa tensão". Após o elegante Leopold contar sobre seu sonho erótico selvagem com Dulcy, ela assustada o questiona: "Jesus, o que você comeu antes de ir dormir?". São pequenos momentos onde podemos perceber que, mesmo criando algo de forma apressada, Woody consegue fazer um filme de qualidade.
10 – Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Mas Tinha Medo de Perguntar (Everything You Always Wanted to Know About Sex But Were Afraid To Ask – 1972)
Similar ao que ocorreu com sua primeira obra, Allen não tinha em mente abordar esse conceito. A United Artists comprou os direitos do livro homônimo, escrito em 1969, pelo popular Dr. David Reuben, uma espécie de Dráuzio Varella da época, só que tarado. Woody ficou revoltado quando Reuben foi ao tradicional programa “Tonight Show” e citou uma das frases cômicas dele, sem dizer a fonte. O jovem cineasta então utilizou toda sua verve cômica e adaptou o livro da melhor forma possível, salientando os aspectos mais absurdos em uma comédia de esquetes. Dentre seus sete segmentos, existem dois que considero obras-primas na carreira do diretor: “O que é sodomia?” e “O que acontece durante a ejaculação?”, expõem um roteirista em pleno desenvolvimento, buscando subjugar os limites e ultrapassá-los. No primeiro, Gene Wilder vive um médico que se apaixona por uma ovelha. O brilhantismo está no fato de Wilder atuar de forma séria, como se fosse um personagem saído dos romances de Ian McEwan. Já no segundo, Allen interpreta um espermatozoide que passa por uma crise existencial, poucos minutos antes de seu grande momento, enquanto Burt Reynolds e Tony Randall comandam o cérebro de um jovem que busca fazer sexo com sua parceira. Os outros segmentos são divertidos, porém, pouco memoráveis.
9 – Bananas (1971)
O filme é bastante episódico e irregular, o que demonstra o quanto Woody ousou, arriscou. Ele ainda estava aparando suas próprias arestas. Existem cenas que considero geniais, como a tortura com opereta e aquela em que nosso herói organiza a fila dos rebeldes condenados à morte. Allen chama pelo número vinte e um, quando um cidadão no meio da fila acena eufórico seu bilhete. A felicidade daquele condenado é hilária, assim como a afirmação do revolucionário popular que é levado ao poder ditatorial, esquecendo-se de todas as promessas feitas anteriormente e pensando apenas em seu próprio enriquecimento e na escravidão de seu povo, pelo poder da ignorância controlada, algo que nunca acontece no mundo real, convenhamos... Certo?
8 – O Dorminhoco (Sleeper – 1973)
Após iniciar com uma despretensiosa brincadeira e dirigir três produções que eram colagens de ótimas ideias cômicas, esquetes, sem um fio condutor forte, Allen encarava seu primeiro desafio narrativo: um projeto “com pé e cabeça”, além de um nariz que comandava um sistema ditatorial. Engraçado do início ao fim, o filme representa perfeitamente a fase inicial do diretor, onde ele desejava apenas levar humor ao público. Miles Monroe, vivido por Allen, dá entrada em um hospital para uma operação simples, mas acaba acordando duzentos anos depois, em um mundo inspirado nas obras de H.G. Wells, Ray Bradbury e George Orwell. O diretor chegou a conversar com o mestre da ficção científica Isaac Asimov, avaliando a forma de abordar esse distópico mundo do futuro. A bela Diane Keaton interpreta Luna, uma pacifista poetisa que normalmente serve de escada para os ferinos one-liners de Allen, que aproveita a ambientação para criticar o governo de seu país, como quando se refere à “Associação Nacional do Rifle”, dizendo: “Uma organização que ajudava criminosos a conseguirem armas, para matarem cidadãos. Era chamada de serviço público”. O diretor começava a demonstrar um humor mais corajoso, com gags mais elaboradas.
7 – Memórias (Stardust Memories - 1980)
No filme, Allen explora um dos aspectos consequenciais da fama, o arregimentar de um séquito de admiradores, alguns até fanáticos, que buscam no realizador uma satisfação de seus desejos pessoais. Seu personagem procura um novo caminho, um desafio artístico, experimentando em gêneros diferentes, mas seu público o questiona debochadamente e o rejeita. Com certeza se trata de um desabafo do cineasta após a recepção fria do público com seu projeto dos sonhos: "Interiores". Seus fãs são interpretados pelos figurantes mais feios e caricatos já reunidos em um único projeto. Eles o abordam constantemente com argumentos absurdos, analisando suas obras fora de contexto e interpretando-as da forma mais equivocada ("o humorista é um símbolo para a homossexualidade"), interrompendo-o em situações rotineiras para pedir emprego para um parente ou jogando currículos em suas mãos. Até mesmo seres do espaço descem de suas naves para afirmarem a ele que preferem seus filmes cômicos de início de carreira. E é nesse filme que Woody solta aquela que considero sua melhor frase: "Para você sou um ateu, mas, para Deus, sou uma leal oposição".
6 – Interiores (Interiors – 1978)
O sucesso comercial de “Annie Hall” apenas firmou mais ainda na mente do diretor o desejo de demonstrar ser capaz de emular seu ídolo: Ingmar Bergman. Ele sempre subestimou o valor de suas próprias obras, comparando-as com os trabalhos que eram realizados por outros diretores mais engajados da época, sem perceber que a gargalhada critica com mais contundência que a austeridade. O caso é que o filme lida com um tema muito forte, sem nunca apelar para o necessário subterfúgio do alívio cômico, tornando tudo muito reflexivo. Em sua ânsia por impor uma profundidade na estética, que seria mais bem equilibrada nos posteriores “Setembro” e “A Outra”, Allen anestesia o espectador. O tema é bem conduzido, bela analogia é feita entre a preocupação da mãe com a decoração de interiores e o ruir das estruturas familiares, mas não cumpre com eficiência plena o seu potencial. O excelente diretor de fotografia Gordon Willis, elemento essencial na evolução de Allen como diretor, retoma a parceria iniciada no filme anterior, e que se estenderia até “A Rosa Púrpura do Cairo”, em 1985, garantindo longas tomadas sem cortes, potencializando os diálogos brilhantes do autor.
5 – Um Assaltante Bem Trapalhão (Take the Money and Run – 1969)
Os dez primeiros minutos são geniais, pois ficamos conhecendo os primeiros passos do jovem Virgil, vivido por Allen, no mundo do crime. Claro que antes ele tentou uma vida simples, como um violoncelista. O problema era acompanhar a bandinha da rua, com o seu instrumento numa mão e, na outra, uma cadeira. Não havia jeito, pois a rota do crime parecia estar em seu destino. Após pequenos furtos, acabou sendo preso pela primeira vez. Inspirado, tentou fugir utilizando uma barra de sabão e sua perícia artesã. Dias depois, com seu perfeito revólver de sabão pintado com graxa de sapato, ele se aventurou a cruzar os muros que o aprisionavam. Azarado, não percebeu a torrencial tempestade que castigava aquele local, fazendo com que, em poucos segundos, para a surpresa dos policiais, seu revólver virasse uma grande bola de espuma. Novamente atrás das grades, aceitou ser cobaia em um experimento com uma revolucionária vacina, pois aquilo iria atenuar sua pena. Ninguém imaginava efeito colateral tão absurdo: Virgil tornou-se um rabino, de barba longa, e pregou belos sermões para os oficiais. Foi o primeiro “mockumentary” (falsos documentários) da história do cinema, um estilo que o próprio diretor revisitaria posteriormente em “Zelig”.
4 – A Última Noite de Boris Grushenko (Love and Death – 1975)
Nessa comédia, Woody explora os limites de sua zona de conforto, utilizando referências ousadas ao trabalho literário de Dostoiévski e Tolstói, vale lembrar que em seus trabalhos anteriores, ele havia se amparado mais no pastelão e no humor popular, além de começar a demonstrar seu fascínio por seu ídolo Ingmar Bergman, notem a forma como ele filma, logo no início, um russo que fala diretamente à câmera, e em específico seu filme favorito “O Sétimo Selo”. A grandiosidade da produção impressiona e o diretor demonstra total confiança em sua técnica. Diane Keaton novamente preenche a tela com seu carisma e beleza, vivendo a prima do protagonista. Apaixonado pela complexidade da jovem, que defende diálogos muito espirituosos em seu existencialismo, elemento novo na obra de Allen, que viria a se tornar um padrão, frustra-se ao perceber que ela não o vê com os mesmos olhos de arrebatador desejo. O roteiro parece querer demolir aquela austera seriedade que normalmente se faz presente ao discutir esses temas.
3 – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall – 1977)
O filme mais popular do diretor, laureado com o principal Oscar da Academia, além de justos reconhecimentos à atuação de Diane Keaton e à direção de Allen. O ápice na fase inicial de sua carreira, que começaria no ano seguinte a tomar caminhos mais ousados, com o inseguro autor acreditando cada vez mais em sua capacidade, arriscando mostrar para o público que não era apenas um excelente comediante, mas também um pensador existencialista, seguindo os passos de seu grande ídolo: o sueco Ingmar Bergman. O estilo mais sóbrio já demonstra a mudança de atitude logo nos créditos iniciais, título em fonte Windsor branca, contrastando com o fundo preto, adotando o formato que viria a acompanhá-lo pelas décadas seguintes. Depois de brincar com o futuro e o passado da sociedade, subvertendo como caricatura, Woody pela primeira vez se mostra como um personagem com o qual o público pode se identificar. Existe muito dele próprio no roteiro, tornando ainda mais interessante acompanhar seus relatos sobre sua infância, em especial a ótima sequência em que seus colegas de classe revelam o que se tornarão quando adultos, incutindo uma analogia simples e muito eficiente: a casa em que cresceu ao som das brigas dos pais, sob uma montanha-russa. Porém, meu momento favorito é quando Allen encontra um chato na fila do cinema, que berra sua pretensa cultura cinematográfica ao tentar impressionar sua namorada. Quem nunca passou por isso? Aquela pessoa que fala alto, por si só, um sinal de deselegância, na fila: “Todos os filmes desse diretor são uma droga”, quando na realidade a pessoa sequer conhece sua filmografia, ou “Só você mesmo para me arrastar para ver uma chatice em preto e branco”, da mesma empresa que trouxe até você as célebres frases: “de triste, já basta a vida”, e o insuperável: “putz, esses atores todos já morreram”.
2 – Zelig (1983)
Em sua genialidade, Woody estrutura esse filme como um documentário, repetindo o estilo de “Um Assaltante Bem Trapalhão”, sobre Leonard Zelig, um camaleão social da década de vinte. Sem nenhum esforço, ele é capaz de adotar características físicas e mentais de qualquer pessoa com quem se relaciona. Ao lado de franceses, ele conversa fluentemente em francês, com direito até ao clássico bigodinho fino. Mas o que realmente fascina no roteiro é a forma como o personagem se adapta socialmente, como quando discute jargões de medicina ao lado de doutores, com total conhecimento sobre a área. A crítica é certeira, mostrando como as pessoas se moldam, até o caráter, no intuito de agradar e serem aceitas. E, claro, dignitários com os mais diversos interesses passam a utilizar suas palavras como alegoria para suas atividades. Zelig acaba se tornando na sociedade uma espécie de “Chance”, o jardineiro interpretado por Peter Sellers em “Muito Além do Jardim”. Mia Farrow vive uma doce doutora que acredita que o fenômeno seja psicológico, uma manifestação de alguém que não consegue se expressar, levando o roteiro a abordar também o machismo da época, mostrando a reação agressiva dos médicos a essa nova hipótese. O processo de tratamento é tão eficiente, que ele passa a conseguir até discordar de outras opiniões, algo impensável em sua realidade de outrora.
1 – Manhattan (1979)
O melhor trabalho de Woody como ator, essa obra representa o fechamento do primeiro ciclo na carreira dele, após refinar o molde com "Annie Hall", e se arriscar em seu primeiro drama, com "Interiores", é a junção perfeita de drama, romance e comédia, sendo pioneiro no que muitos chamam de "Fórmula Woody". Desde o início, ao som de "Rhapsody in Blue", de Gershwin, emoldurando imagens da cidade, até o excelente diálogo final entre Woody e Mariel, onde ele descobre ser menos maduro que ela, nós encontramos um escritor confiante e em seu auge criativo. A fotografia em preto e branco de Gordon Willis, que afirmou ter sido esse o seu melhor filme, concede ainda mais elegância ao projeto, incluindo a icônica cena da conversa junto à ponte Queensboro, e o uso das sombras na conversa no planetário. A forma como Mariel se porta, sua naturalidade ao confrontar-se com Diane Keaton, quando ela pergunta sobre a ocupação da jovem, que responde: "vou à escola", e a sua latente admiração pelo homem mais velho, de gosto refinado, fazem com que um tema complicado, a diferença de idade no casal, soe extremamente natural. O texto é ótimo, coescrito por Marshall Brickman, repetindo a parceria de "O Dorminhoco" e "Annie Hall".
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