sexta-feira, 20 de março de 2015

"Interestelar", de Christopher Nolan




Interestelar (Interstellar - 2014)

Inicio afirmando que é muito difícil escrever sobre o filme sem revelar spoilers, então irei me focar nos aspectos técnicos, abordando de forma abstrata, sem filosofar sobre as várias questões que a obra suscita. É curioso analisar a reação do público, dividido entre dois extremos, aqueles que celebram o novo projeto de Christopher Nolan como um sucessor do épico “2001” de Kubrick, tão radicais quanto aqueles que não enxergam qualidade alguma em seu ambicioso esforço. A ambição, por si só, já valeria como mérito, com o diretor provando mais uma vez que é possível unir o cinemão mainstream, com seu calculado entretenimento industrializado, a uma dose generosa de ousadia temática e de execução, tão comuns no cinema independente. 

Os primeiros quarenta minutos são intensamente problemáticos, com excesso de diálogos expositivos, defendidos por personagens que agem de forma unidimensional. Alguns, como o vivido por John Lithgow, atravessando a tênue linha da caricatura. Na cena em que o pai, o astronauta fazendeiro interpretado por Matthew McConaughey, avisa sua filha sobre a natureza de sua missão, a trilha sonora de Hans Zimmer se torna insuportavelmente melodramática, tentando extrair a fórceps a catarse de uma relação familiar cujo investimento emocional se resume a longos diálogos técnicos, uma conexão que só existe em teoria, nas páginas do roteiro. Essa cena se estende por mais tempo do que devia, mas como o sentimento proposto agressivamente pela trilha e pelas atuações não soa orgânico, o desespero da menina se torna inverossímil, lágrimas de piloto automático, com o roteiro repetindo os clichês das inúmeras despedidas entre pais e filhos no cinema. Fica clara a ansiedade do diretor em chegar ao ponto que estimulou sua gênese, com o início da missão espacial. 

Após tanto falatório, fiquei até aliviado quando a câmera se estendeu na paisagem silenciosa do espaço. O segundo ato flui de forma muito mais eficiente. É interessante a forma como a teoria da relatividade de Einstein é utilizada como recurso dramático, mas quando a trama força um discurso quase piegas, o que ocorre com frequência, inserindo o conceito do amor na equação, fica aparente o desconforto do diretor em se afastar do aspecto mais nerd da obra, as análises científicas e existenciais que ele propõe. Fica parecendo gordura extra, com a quantidade imensa de informações que os personagens metralham, eventuais quebras de ritmo onde, sem exagero, ficamos assistindo tiras de cartolina, sem nenhum aprofundamento ou motivação verossímil, divagando de forma romântica e poética sobre questões que parecem enxertadas somente para agradar o público feminino. A necessidade de abraçar vários temas bastante distintos, em suas três horas de duração, acaba tornando a abordagem sobre cada um deles algo implacavelmente superficial. 

Para os admiradores do cineasta, no que me incluo, é ótimo encontrar as características sequências espetaculares com montagens paralelas, assim como é válido aplaudir novamente sua coragem, mas unindo os fracos quarenta minutos iniciais e um terceiro ato estruturalmente frustrante, acredito que, por mais impactante que seja o primeiro contato com a trama, com um tema fascinante e reviravoltas espertas, suas falhas tendem a se destacar bastante em revisões. Esse talvez seja o filme do diretor que irá envelhecer com menos graça. 

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