terça-feira, 31 de março de 2015

Cine Noir - "A Dama Fantasma" e "Mortalmente Perigosa"



A Dama Fantasma (Phantom Lady – 1944)

O projeto do alemão Robert Siodmak, baseado na obra de Cornell Woolrich, envolve o espectador em um clima sombrio de pesadelo, mérito da fotografia de Elwood Bredell, que faria, dois anos depois, com o diretor, o excelente: “Assassinos”. A trama simplista, como em todo Noir, serve apenas como motivação básica para o criativo exercício de estilo, enfrentando o baixo orçamento apostando no poder da sugestão.

O personagem, vivido por Alan Curtis, encontra uma enigmática mulher enquanto tenta afogar as mágoas no bar, após uma briga com a esposa. O desejo dela é que a ignorância se mantenha sobre a identidade de ambos, estranhos solitários na noite de um dia qualquer. Ela aceita o convite dele, a companhia despretensiosa em um espetáculo que desperta o único interesse de desviar a atenção dele, por algumas horas, acerca dos problemas conjugais. A despedida é comum, fugaz, estabelecendo com eficácia a tensão que invade as cenas seguintes. Ao voltar para casa, três homens o aguardam, há a esperta sugestão de que são perigosos, confundindo o público, e, no quarto, ele descobre o corpo da esposa estrangulada.

Os detalhes visuais são preciosos, como a escultura das mãos no alto do armário de um dos personagens, elemento recorrente, capaz dos atos mais carinhosos, como o afagar de um bebê, o salvamento de um afogado, porém, capaz de cometer também as maiores atrocidades. A imprensa destrói o nome do marido, numa crítica à irresponsabilidade do jornalismo enquanto juiz e condutor do linchamento público. Vale destacar a ótima cena, com forte conotação sexual, mostrando o encontro da bela Ella Raines, uma personagem que me remeteu à de Margaret Tallichet em “O Homem dos Olhos Esbugalhados”, com o baterista, vivido por Elisha Cook Jr., em uma confinada jam session de Jazz.


Mortalmente Perigosa (Gun Crazy – 1950)

Com um roteiro, coescrito pelo extremamente competente Dalton Trumbo, de “Johnny vai à Guerra”, que não pôde assinar por estar na lista negra, essa obra-prima do diretor Joseph H. Lewis é normalmente lembrada por sua inovadora sequência de assalto a banco, filmada em um só plano de cerca de sete minutos, colocando o espectador no banco traseiro do carro da dupla de criminosos, momento que inspirou Jean-Luc Godard em seu “Acossado”. O filme é muito mais que essa cena, é um estudo psicológico com espaço para uma crítica, infelizmente atual, ao culto das armas na sociedade americana. Vale até uma sessão dupla, com o documentário “Tiros em Columbine”, de Michael Moore.

Os personagens vividos por Peggy Cummins e John Dall, a despeito de estarem envolvidos em um frenesi de perseguições cinematograficamente estimulantes, refletem uma discussão subliminar menos dependente da catarse sensorial, a clássica questão do determinismo, que diz serem todos os fatos baseados em causas, contra a crença de que suas atitudes são o extravasamento natural de uma índole espinhosa. Eles são definidos por suas ações, ou são, em essência, frutas podres? A cena introdutória da femme fatale, num ângulo baixo, mostrando sua perícia como atiradora em uma atração circense, consegue injetar uma alta dose de sensualidade, culminando numa finalização ao estilo de “O Grande Roubo do Trem”, com a personagem atirando na direção do espectador, no caso, o protagonista, de certa forma, antecipando o destino trágico do rapaz. 

* Os dois filmes estão sendo lançados pela distribuidora "Versátil", na caixa "Filme Noir - Vol. 2", contendo ainda, além de extras, "O Justiceiro", "Os Corruptos", "Pecado Sem Mácula" e "Ato de Violência". 

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