quinta-feira, 3 de novembro de 2016

“Curumim” retrata últimos dias da vida de brasileiro executado na Indonésia

“O Curumim dizia ‘muita gente não se encaixa no mundo real ou vira traficante ou vira cineasta’. Acho que ele tinha razão”, lembra Marcos Prado, diretor do documentário 
Curumim sobre o carioca Marco Archer, fuzilado após ficar preso por 11 anos na Indonésia.
O diretor Marcos Prado, conheceu Marco “Curumim” Archer nos anos 80, quando frequentavam abarraca do Pepê, na Praia do Pepino (RJ). Marcos Prado se voltou ao cinema, diretor de Estamira (2004) e Paraísos Artificiais (2012) e produtor de Tropa de Elite e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro. Já Marco Archer foi de detentor de recordes no voo livre a traficante flagrado com 13,4 quilos de cocaína no aeroporto de Jacarta. Em 2004 a vida dos dois se cruza novamente, quando Curumim procura Prado com a ideia de fazer um documentário sobre sua história.

Por três anos o diretor acompanhou o dia-a-dia de Curumim. O filme é resultado de mais de 70 horas de conversas gravadas ao telefone, dezenas de cartas e mais de três horas de arquivos com imagens, registradas pelo próprio Curumim com uma câmera que ele contrabandeou para o presídio de segurança máxima. “É a cronologia da morte. O filme é uma tentativa de fazer algum sentido dessa tragédia”, conta o diretor.

Em entrevista para o TELA BRASIL, Marcos Prado conta a jornada pessoal que foi realizar o documentário que fica em cartaz a partir de quinta (03.11). Confira:

Houve algum momento do projeto em que você não estava preparado para o desfecho do filme?
O Curumim me procurou com a ideia de fazer um documentário sobre sua história. Ele tinha um plano traçado: ia escrever um livro e, a partir do livro, produzir uma cinebiografia. Ele estava no corredor da morte, mas em todas as conversas fazia planos de quando fosse sair da cadeia. Não tinha como não se contagiar com a vontade de viver dele. Eu acreditava que ele ia sair dessa, porque ele acreditava. No inicio, imaginávamos um filme bem diferente: seria um filme sobre recomeço, sobre a volta dele ao Brasil e a tentativa de levar uma vida normal depois da cadeia. Era uma tecla que ele batia muito, o legado que ele ia deixar. Queria alertar os jovens, não queria que ninguém tivesse que passar o inferno que ele passou. Tinha planos de dar palestras e ganhar a vida de uma forma legítima e honesta.

E no que a execução de Curumim mudou o documentário?
O que me restou foi humanizar essa história. Tentar fazer algum sentido dessa tragédia. Curumim teve uma infância problemática, foi órfão de pais vivos: o pai era alcoólatra e a mãe morava em outro estado. Ele cresceu ao lado do irmão, criados pelas empregadas. Começou a usar drogas ainda criança. Na adolescência, frequentávamos a barraca do Pepê, na Praia do Pepino (RJ). Era um transgressor e gostava de viver perigosamente. O tráfico também era uma moeda de troca, gostava da atenção, queria ser aceito, amado. Ele errou feio, mas não merecia o que aconteceu. O trafico continua, não adianta coibir com morte. Temos que encarar essa questão de frente. No Brasil, grande parte das prisões está relacionada ao tráfico de drogas. É uma guerra sem sentido.

Desde o começo do documentário, somos tomados por uma sensação de ilegalidade. O Curumim reforça que o fato dele gravar é proibido. Mas ao mesmo tempo, temos esse vasto e rico material do dia-a-dia da prisão, com inúmeros telefonemas, interação com o mundo de fora da cadeia. Como conseguiu captar esse material?
Corrupção. Quem tem dinheiro na cadeia, consegue tudo. Tudo tem seu preço. O presídio que ele estava foi construído com o dinheiro do tráfico, inclusive. Apesar de ser de segurança máxima, tinha até quadra de tênis, encomendada pelos traficantes nigerianos que comandam o local. Foi um carcereiro que contrabandeou a câmera. Durante três anos, o Curumim me enviou seis cartões de memória. Eu fui contra desde o início, se ele fosse descoberto, podiam trancar ele na solitária. Mas ele tinha urgência, a história que ele tinha pra contar valia à pena o risco.

Em algum momento você pensou que o filme já nasceu fadado ao ostracismo? Como instigar uma parcela do público que já tem uma opinião formada sobre o assunto? 
Noventa e nove por cento dos comentários no Facebook são “bandido bom é bandido morto”. Sempre vão ter os haters, mas eu espero sinceramente que se alguém der uma chance ao filme, talvez mude de opinião. Curumim nunca pegou numa arma, nunca coagiu ninguém. Claro que fez mal pra muita gente, mas as pessoas têm livre arbítrio. Eu acho que o maior potencial do filme está entre o público jovem. Nossa intenção não é fazer apologia às drogas ou defender o Curumim. Mas causar empatia.

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