quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A Finada Mãe da Madame

A nostalgia e o desejo de reviver e mostrar como eram como os anos 1970 eram dourados, como a juventude e a vida fazia mais sentido nessa época. Essa é a aparente mensagem do novo longa de Bernard Attal.
Contudo, o longa não consegue fazer essa viagem no tempo e termina sendo repleto de fragilidades que fazem a obra ter um resultado muito aquém do que poderia, principalmente, por ter uma equipe que possui trabalhos muito positivos em outros filmes, como o próprio Attal e seu trabalho anterior, o sensível A Coleção Invisível.
Desde os créditos de abertura há equívocos. A animação que mostra o protagonista e os pontos turísticos da cidade parece saída de uma peça publicitária da prefeitura, dando um tom de propaganda da secretaria de turismo. O agravante é que esses créditos demoram e têm uma trilha ao fundo que não casa com as imagens, ela parece mais arrastada do que os planos mais dinâmicos, fazendo uma bagunça visual.
A narração, interpretada por Harildo Déda é correta. A impostação e as cores dadas ao texto são bem feitas. Mas, mesmo ele sendo um bom ator, não consegue salvar o texto expositivo do filme. Por exemplo, quando o mesmo cita o Regime Militar ao mesmo tempo que um ator segura um jornal que tem uma notícia sobre militares. Ao longo de todo o início da trama é assim, o narrador fala e a imagem repete, subestimando e cansando o espectador.
O longa demora de engatar e possui cenas arrastadas que não acrescentam muito para a trama. O texto soa artificial quando ouvido, é como se os atores estivessem explicando cada coisa para o público e as expressões e gírias da época tem um tom forçado quase como um dicionário de expressões dos anos setenta.
Os atores se esforçam para serem fies à aparente proposta de interpretação realista, mas, principalmente o casal protagonista, interpretado por Andrea Nunes e Rafael Medrado, até metade do longa, se mantém em chaves diferentes . Ela parece defender um tom mais carregado e representativo, ele mais naturalista, numa comicidade beirando ao Woody Alleniano. Se vistos separados, funcionam, mas juntos, expõe a fragilidade da obra na hora de optar por uma linha de interpretação.
Porém, o maior deslize do filme está na escolha do texto para encenar. O dramaturgo Georges Feydeau tem uma obra extremamente datada e misógina. A segunda produção baiana este ano que adapta um texto do escritor francês – a outra foi o espetáculo teatral Nua em Pelo. O teor machista é visto claramente nas duas obras citadas.
As mulheres que seguem padrões da sociedade, mas que, ao mesmo tempo, colocam as suas necessidades, em sua maioria fúteis, na frente de tudo e de todos, tratando seus maridos como de maneira ingrata. O mordomo que visita o casal na madrugada fica cheirando a calcinha da protagonista, a espiando nua enquanto se veste e não há um questionamento de como isso não é normal.
A maneira como os patrões tratam sua doméstica é assustadora e diversas piadas são feitas com isso. O filme pode ser de época e mostrar como as pessoas reagiam em seu período, mas é preciso um posicionamento crítico para não reproduzir um discurso sexista, um preconceito de classe e uma naturalização do assédio masculino para com as mulheres.
A direção de arte do filme, feita por Carol Tanajura, é acertada e cuidadosamente feita. Os objetos cênicos povoam a cena contando de forma não expositiva quem são as personagens. O baile do Fantoches é repleto de glamour, cores e luzes. Geralmente, quando as pessoas fazem filmes que se passam nos anos 1970, colocam poucas cores, tudo é muito chapado e fica numa escala de marrons. O colorido exalta o lúdico tanto citado pelos que viveram na época.
Quando o longa começa a tomar corpo, a partir da cena no táxi, o roteiro começa a fechar os desenlaces e o fim da obra é ingênuo e terminar a coroar a falta de trajetória do protagonista. A mudança, o crescimento do protagonista é apenas narrado rapidamente, dando a impressão de que ela pode nem ter existido.
Num momento em que há uma reflexão tão grande sobre como retratar o passado, como não reproduzir erros de outros tempos atualmente, é necessário pensar na responsabilidade de cada dramaturgia escolhida para se por em tela e A finada mãe da madame, num misto de despreocupação e pouca destreza, termina por reproduzir um discurso perigoso e por não cumprir a comédia que promete.
Nota do CD:
★½☆☆☆
Sinopse: Na Bahia dos anos setenta, Lúcio, um bancário de trinta anos, volta de madrugada, fantasiado e embriagado, de uma festa no Clube dos Fantoches. Ele deve enfrentar a ira da sua esposa, Terezinha, que aproveita do momento para se queixar da falta de carinho do seu marido. A briga finalmente se esgota quando Prudêncio bate na porta. O mordomo vem anunciar a morte da mãe de Terezinha. A notícia joga Terezinha no desespero mas deve resolver alguns dos problemas de Lúcio.
FICHA TÉCNICA:
Direção: Bernard Attal
Origem: Brasil
Duração: 72 min.
Lançamento: 2016

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