terça-feira, 18 de outubro de 2016

O Amor Quase Feliz da Nouvelle Vague: Os Libertinos e Um Só Pecado

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Não é mistério algum ser o “Amor” — palavra prostituta, diria o nosso saudoso cineasta Carlos Reichenbach — a temática mais recorrente no cinema (e certamente também em todas outras mídias). Ouvi uma vez de um professor e curiosamente nunca esqueço:

“Todos os livros e filmes são sobre o amor. Até mesmo aqueles que parecem não ser”.

Boa parte da formação dos jovens cineastas da Nouvelle Vague veio das sessões cineclubistas das histórias de amor idealizado vistas em filmes norte-americanos. Victor Fleming e George Cukor arrebataram multidões com seus romances épicos.

Por conta disso, logo me vem a idéia de ser um caminho um tanto natural o trabalho de toda aquela rapaziada decantar a estética romântica com a qual cresceram, ainda mais numa época onde a modernidade dava as caras com força e o moralismo era sempre questionado.

Os Libertinos (Les Dragueurs, 1959), de Jean-Pierre Mocky, e Um Só Pecado(La Peau Douce, 1964), de François Truffaut, são dois exemplos nos quais esse tal de amor idealizado é atropelado por sentimentos e sensações distintas. E sendo a tônica da Nouvelle Vague o amor como instrumento de dor — onde os furtivos momentos de felicidade justificam toda a experiência — , não é nada estranho ambos os filmes serem cultuados até os dias de hoje. Afinal, o ser humano complicado é clichê querido e eterno.

Em Os Libertinos (Les Dragueurs, 1959), curtimos uma noitada em Paris com Freddy (Jacques Cherrier). Sempre fico intrigado a respeito de como os filmes franceses dessa época conseguem nos fazer tão próximos de seus protagonistas. Seriam as fragilidades expostas para qualquer um ver? Fica a reflexão. Freddy, aliás, é um típico garotão parisiense: bonitão, boêmio, bom papo e pronto para conquistar qualquer mocinha incauta. Suas atitudes mecânicas quase revelam o romântico incorrigível que mora dentro de sua casca de conquistador barato.

Menos sério do que o seu filme-parceiro nesse texto — a presença do cantor-ator Charles Aznavour traz um bem-vindo alívio cômico para a trama — , Os Libertinos brinca deliciosamente (e se torna imprevisível nessa brincadeira) com a necessidade de se torcer por um “casal principal”.

A obra nos manipula por diversas investidas nas quais Freddy vai finalmente encontrar sua “metade”. Cenas como a do acidental encontro com a belíssima Anouk Aimée exalam um romantismo palpável. É bem bonito. Mas trata-se, no entanto, de um romantismo igualmente nunca pleno. A melancolia está ali, sempre à espreita.

Um Só Pecado (La Peau Douce, 1974) é bem mais denso. O próprio Truffaut afirmou ter se inspirado no mestre Hitchcock para lidar com as vaidades que minam uma relação ao ponto de se cometer uma loucura. Logo, o filme transparece um pesar desde o início.

Exemplo disso é o encontro no hotel do nosso protagonista Pierre (Jean Desailly), renomado escritor, com a bela comissária de bordo Nicole (Françoise Dorléac), que parece retirado de algum filme de espionagem do mestre. E a soturna trilha sonora de Georges Delerue, colaborador assíduo, não engana: algo de ruim está mesmo para acontecer.

Enquanto se aproxima da magnética Nicole, ao passo que se afasta da esposa Franca (Nelly Benedetti), Pierre se envolve num intenso jogo de gato e rato. Sujeito frio, premedita as ações achando que tudo está sob controle — o que acaba rendendo uma sequência especial na qual o personagem se vê às voltas tentando esconder a amante durante uma viagem de trabalho. Um Só Pecado é virtuoso em trabalhar o suspense psicológico dessas escapulidas, ao passo que falar ao telefone ou disfarçar encontros se tornam experiências desgastantes.

Com Desailly e Dorléac cumprindo à risca, respectivamente, o papel do homem em crise e da “ingênua” sedutora, resta à esposa o título de (previsível) vilã.

Assim, o declínio mental de Franca é a base de muito sofrimento e humilhação. Uma característica comum ao cinema de Hitchcock quando se fala das mulheres, ainda que ela me pareça um tanto desnecessária hoje em dia. Mas também é interessante como Truffaut dedica outros valiosos momentos para desnudar todo o lado negativo do casal de amantes, indo da ternura à aversão com habilidade ímpar.

Ou seja, aqui ninguém é inocente!

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