quarta-feira, 29 de julho de 2015

Kung-Fu Fighting - "A Câmara 36 de Shaolin" e "Mad Monkey Kung-Fu"




A Câmara 36 de Shaolin (Shao Lin San Shi Liu Fang – 1978)

Os inimigos da dinastia Ching, liderados por Ho Kuang-Han, estão secretamente instalados em Canton, disfarçados de mestres de artes-marciais. Durante um brutal ataque da dinastia Manchu, Lui consegue escapar e se concentrar em aprender artes-marciais buscando vingança.

Uma das produções mais celebradas dos Shaw Brothers, importante no gênero, porém, impressionantemente superestimada. Com exceção das sequências de treinamento, muito interessantes, ainda que fantasiosas em excesso, o filme tem um roteiro pouco inspirado, até mesmo para os padrões das obras do estúdio. O diretor Lau Kar-Leung, mestre em seu ofício, não consegue estabelecer ritmo nesse projeto, com um primeiro ato bastante arrastado e um terceiro ato apressado. As cenas de luta, especialmente o combate final, são surpreendentemente pouco criativas.

O protagonista, um monge budista que busca vingança, algo contraditório, por mais carisma que tenha Gordon Liu, não consegue transmitir credibilidade, o que prejudica o investimento emocional do público. A sua transformação existencial é abrupta, por mais que o corpo dele sinalize a dificuldade das tarefas no mosteiro, chega a ser risível sua rápida mudança de caráter, elemento que se torna absurdo em um roteiro que se leva a sério demais. E, claro, a ausência de um oponente minimamente ameaçador, apesar de ser interpretado pelo ótimo Lo Lieh, não ajuda no resultado. Com a atenção dada ao treinamento do jovem, não sobrou tempo para construir um conflito instigante. Alguns momentos são geniais, todos no segundo ato, como a descoberta da arma perfeita em um treino ao ar livre, o San Tien Kuan, “pai” do Nunchaku, um bastão de três segmentos que se adapta como a água aos movimentos do oponente.

Outro filme do mesmo diretor, realizado no ano seguinte, que poucos lembram, com o título norte-americano: “Mad Monkey Kung-Fu”, entrega um roteiro melhor, com senso de humor, personagens carismáticos, sequências de treinamento fantásticas e combates impressionantes. E faço questão de abordar ele no parágrafo abaixo.


O Mestre do Kung-Fu (Feng Hou – 1979)

Um exímio praticante de Kung Fu tem suas mãos quebradas por um homem com inveja de suas habilidades. Após cair em uma armadilha preparada pelo gangster Duen e ter suas mãos inutilizadas, Chen, que era um ator de ópera de Pequim, passa a fazer performances de rua com um macaco treinado, e assim passa a ganhar a vida.

Com um olhar apurado, o diretor encontrou Hsiao Ho na ópera chinesa, ensinando a ele o estilo do macaco, o que fez a carreira dele em vários filmes do estúdio. Esse é o melhor trabalho dele, resgatando as origens do Kung-Fu, uma arte marcial baseada nos movimentos dos animais, nascida de homens que observavam a natureza e incorporavam estilos marcados pela imprevisibilidade dos golpes. Essa atitude libertária é a essência do treinamento do jovem, que alia seu temperamento naturalmente debochado à agilidade símia, conduzindo a momentos genuinamente engraçados e visualmente impactantes.

O próprio diretor/coreógrafo vive o mestre dos punhos aleijados pela inveja do antagonista, interpretado por Lo Lieh. O duelo que ocorre logo no início do filme, entre os dois, com Leung utilizando o Tiě Shān, um aparentemente inofensivo leque, eu considero uma das melhores cenas no gênero. A trama de vingança é convencional, porém, Leung injeta um peso filosófico/emocional pouco comum, focando na evolução do relacionamento de admiração mútua entre professor e aluno, um respeito tradicional na cultura chinesa, advinda dos ensinamentos éticos de Confúcio. O roteiro equilibra muito bem o humor e o drama, com direito até ao gore, como no covarde ataque ao animal do mestre. Há também uma aura onírica, mérito da fotografia de Arthur Wong e dos cenários, especialmente aquele onde ocorrem os treinos ao entardecer.

Quando conheci esses clássicos dos Shaw Brothers, ainda criança, achava que treinamento cruel era o “encere para direita, encere para a esquerda” do mestre Miyagi, ou o Jean-Claude Van Damme chutando bambus em “Kickboxer”. O treinamento do jovem em “O Mestre do Kung-Fu”, diferente do que acontece em “A Câmara 36 de Shaolin”, é fundamentado na realidade, o que é sempre mais interessante. 

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