quinta-feira, 19 de março de 2015

, de Richard Ayoade


O Duplo (The Double - 2013)

Existem excelentes adaptações de clássicos literários, como o recente “O Homem Duplicado”, de Denis Villeneuve, baseado em obra de José Saramago, com uma temática similar, mas são verdadeiros oásis num deserto de projetos como o que abordo nesse texto. A novela de Dostoiévski não é um de seus melhores trabalhos, como o próprio afirmava, mas as falhas do filme não se resumem aos equívocos de adaptação, existe muito pouco do livro no roteiro de Avi Korine, que tem no currículo apenas o fraco “Mister Lonely”, e do diretor Richard Ayoade. 

A ambientação é, sem motivo algum, Orwelliana, com direito até a uma espécie de Big Brother, “O Coronel”, mas com todo jeito de quem folheou as obras no Reader’s Digest. O ato de rejuvenescer o protagonista, vivido com desnecessária apatia por Jesse Eisenberg, acompanha a tendência da indústria americana, um texto escrito para o público adolescente, que desconhece a obra do autor, tampouco irá se interessar em conhecê-la após a sessão. Interessante que todos os colegas do emprego são muito mais velhos que ele, tornando a opção ainda mais bizarra. O ator ignora as nuances de comportamento do personagem literário, optando pela confortável apatia, como maneira simplista de contrastar com a arrogância, tão caricatural quanto, de seu duplo. Há também a sempre desnecessária inclusão de um interesse romântico, a personagem de Mia Wasikowska, que não tem serventia alguma na evolução da trama. 

O humor que existe nas páginas do livro se perde na transposição, com situações criadas para o deleite da garotada imediatista, com piadinhas tolas, defendidas por adultos infantilizados, transformando o protagonista existencialmente multifacetado em uma variação do Adam Sandler. Como exemplo, cito a reação dele ao descobrir seu duplo em seu ambiente de trabalho, um momento importante no livro, que é filmado como uma cena genérica de qualquer comédia adolescente. Ao cercar o protagonista com coadjuvantes bobos, como os dois detetives que agem de forma infantil, por conseguinte, inverossímeis em suas funções, o roteiro banaliza qualquer questão mais profunda que pudesse ser sublinhada. Vale ressaltar, como exceção, uma ótima gag recorrente envolvendo portas que sempre se fecham para ele. O exemplo de adição inteligente que é coerente às questões propostas no original, sendo também funcional para o público moderno. 

Como reflexão válida, acho interessante o estado atual da indústria americana, que insere super-heróis dos quadrinhos em realidades austeras adultas, enquanto escolhe diluir Dostoiévski em um universo infanto-juvenil. 

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