23 de fevereiro a 20 de março
de 2015
Nesta
4ª edição de sua mostra NOVÍSSIMO CINEMA BRASILEIRO, o CINUSP se lança ao
desafio de buscar reconhecer tendências do cinema brasileiro recente. Com 8
pré-estreias e 7 debates, a mostra une exibição de filmes à reflexão sobre a
situação e os rumos do cinema nacional.
A
seleção de filmes é atravessada por algum grau de arbitrariedade, uma vez que o
espectro de obras é muito amplo, mas o conjunto aqui reunido é representativo
de questões que merecem ser consideradas, como: a vontade de tocar em feridas
históricas e atuais, e oferecer leituras para mazelas sociais que nos afligem
em escala nacional; caminhos sensoriais, de estudo de personagem, mais
preocupados em discutir questões subjetivas; e propostas de um cinema mais
clássico, sempre presente nas telas, que aparece quase como uma antítese a
essas duas outras tendências.
Em
vídeo publicitário veiculado recentemente pela ANCINE*, atores famosos celebram
o grande volume da produção realizada no ano de 2014, “mais de uma centena de
filmes”. O clima é de otimismo, “tá todo mundo trabalhando”, ou seja, a
produção é estável, sólida, constante. “Cabe todo mundo, é um espelho para que
o Brasil se conheça”.
Mergulhando no oceano de produções
recentes, a seleção aqui apresentada propõe investigar como se dá esse suposto efeito espelho entre a sociedade
brasileira e o nosso cinema. Que cinema o Brasil está construindo? E que Brasil
o cinema está construindo?
Castanha, Nova Dubai e Ventos de Agosto, filmes que colocam em cheque a fronteira entre
documentário e ficção, utilizam o hiper-realismo para criar narrativas
fugidias, de personagens em trânsito. Aqui se percebe uma tendência à estética
de fluxo, onde a sensorialidade e a indecisão norteiam a câmera, e a matéria
física, do corpo, se sobrepõe ao tratamento psicológico.
Opondo-se
a esse cinema rarefeito e ligado à mencionada estética de fluxo, Hoje eu Quero Voltar Sozinho, Tim Maia e Se Deus Vier, que Venha Armado buscam no apuro técnico e na
“ciência do roteiro” uma ponte de identificação com o público. Se considerarmos
o documentário como um gênero dotado de autonomia, Sem Pena pode ser lido também como um filme clássico.
Infância, adaptação de peça
escrita por Domingos Oliveira há 35 anos, também se inscreve na chave da
dramaturgia clássica, mas mantém o despojamento formal característico do
diretor. Esse trânsito entre teatro e cinema também se nota nos filmes Até que a Sbórnia nos separe, animação
adaptada de um musical da década de 80, O
mercado de notícias, que conta com a encenação de uma peça do século XVII,
e Dois Casamentos, uma proposta
inventiva de teatro filmado.
Numa
zona de intersecção entre a aspiração de representar a nação e fazer um retrato
das subjetividades dos personagens, estão os pernambucanos Amor, Plástico e Barulho e A História
da Eternidade. Filmes que exploram especificidades regionais para fabular
os universos particulares de suas personagens. Amor, Plástico e Barulho apresenta o mundo do tecnobrega esboçando
uma narrativa sobre fama, ascensão e decadência. Um All about Eve** dos trópicos. Aos poucos, o filme abandona o arco
dramático e, tal qual uma música do tecnobrega, sampleia imagens da internet,
rendendo-se ao movimento descontínuo. Em A
História da Eternidade, uma pequena vila esquecida no sertão torna-se
território fértil para os sonhos e a fantasia, numa narrativa em capítulos,
impregnada pelas singularidades idílicas daquele microcosmo. Não tão idílicas
são as singularidades da cidade de São Paulo, representadas por pulsantes
figuras de linguagem em Riocorrente.
Um
filme exemplar do dilema da representação do país no cinema é Brasil S/A, que busca abordar várias das
contradições sociais marcantes na história do país, valendo-se de alegorias e
encontros grandiloquentes entre o arcaico e o moderno.
Dois
filmes que também permitem pensar o país, mas aproximando passado e presente,
são Avanti Popolo e Depois da Chuva. Ambos retomam com
singeleza disputas e utopias frustradas da história política do Brasil. O primeiro
se volta ao passado, partindo do presente, num resgate de memória, que se
traduz fisicamente em suas imagens de super 8, enquanto o segundo se coloca
efetivamente no passado, mais precisamente em 1984, para ironizar o clima de
otimismo do processo de reabertura política e a subsequente derrota na campanha
por eleições diretas. Diferente de tantas outras produções que dialogam com o
período da ditadura militar, estes filmes não se entregam à sisudez, se
permitem leves e bem humorados, e instigam discussões que extrapolam as
questões temáticas do período.
Os
documentários Homem Comum e Já Visto Jamais Visto são filmes de processo, em que o tempo se inscreve como
dispositivo de realização e pesquisa, pela seleção e coleta de materiais
filmados ao longo de anos. Transitam entre suportes, refletem sobre a expressão
do correr do tempo por intermédio da imagem cinematográfica. Ambos os filmes
terão sessões seguidas de debate com os respectivos diretores, Carlos Nader e
Andrea Tonacci.
Com
janela em formato quadrado, O Homem das
Multidões também cria uma inventiva aproximação entre suportes, mas
estabelecendo relação com os novos formatos audiovisuais, como da tela do
celular e do Instagram. Deserto Azul, por sua vez, nasce numa
fusão entre as artes visuais e o cinema. A exibição especial do filme na Mostra
contará com uma dinâmica interativa, em que, por meio de uma segunda tela, o
espectador terá acesso a informações do filme pelo celular, passadas pelo
próprio diretor Éder Santos durante a projeção.
Praia do Futuro e A Revolução do Ano criam um diálogo com
o exterior e ajudam a colocar em pauta o lugar do Brasil num cenário
internacional cada vez mais globalizado.
Lembramos
que na III MOSTRA DE CINEMA DA QUEBRADA, em novembro de 2014, o CINUSP exibiu
alguns títulos que também poderiam estar aqui, como: A Vizinhança do Tigre; Branco
Sai, Preto Fica; e Ela Volta na
Quinta. São filmes exemplares das tendências que identificamos no cinema
nacional. A aproximação entre a mostra da QUEBRADA - de filmes relevantes para
a produção audiovisual das periferias - e a NOVÍSSIMO reitera o hibridismo que
verificamos no cinema nacional e um contexto variado de realização de filmes,
relativizando o peso (ou a existência) da indústria.
Tal
qual nas edições anteriores, o CINUSP abre o ano letivo oferecendo ao público
um olhar atento para a produção nacional, com cuidado especial aos debates que
acontecem no campus da universidade com os realizadores. Em 2015, pela primeira
vez, incluímos na programação uma sessão de debate com críticos, que ocorrerá
no dia 05/03 e procura pensar os traços gerais da cinematografia brasileira
recente e a curadoria de filmes da mostra.
A
IV MOSTRA NOVISSIMO CINEMA BRASILEIRO ocorre de 23 de fevereiro a 20 de março.
Convidamos o público a conhecer os filmes, pensar e discutir os rumos da nossa
produção cinematográfica e descobrir em que termos é fato o que anunciou a
ANCINE, que o audiovisual brasileiro é “grande como o Brasil”.
*
Audiovisual brasileiro. Grande como o
Brasil.
**A Malvada, 1950, EUA, dir: Joseph L.
Mankiewicz.
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