terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Resenha de filme: Jogos Vorazes – A Esperança Parte 1



Desde que resolveu tomar o lugar da sua irmã no mortal sorteio da Colheita no primeiro Jogos Vorazes (2012), Katniss Everdeen tem sido uma espécie de peão num jogo maior, uma peça manipulada pela mídia e pelo governo opressor de Panem. Entretanto, sua determinação em ficar viva e em mudar as regras desse jogo fez com que ela se tornasse um símbolo e uma peça determinante nesse jogo. Agora, neste terceiro capítulo da série, Jogos Vorazes: A Esperança Parte 1, ela finalmente está do outro lado. Não há mais jogos, não há mais lutas na arena nem programas televisionados. Há apenas a resistência, e ela curiosamente deseja lutar usando a mesma arma do inimigo: a mídia.

No final do capítulo anterior, Jogos Vorazes: Em Chamas (2013), Katniss (Jennifer Lawrence) destruiu a arena dos jogos com uma flecha eletrocutada e foi cooptada pela resistência. A Esperança Parte 1 se inicia pouco tempo depois, com a protagonista sofrendo desde sua primeira aparição. Enquanto tenta descobrir o que aconteceu com Peeta (Josh Hutcherson), Katniss é convencida por Plutarch Haevensbee (o falecido Philip Seymour Hoffman, a quem o longa é dedicado) e pela Presidenta Coin (Julianne Moore) a se juntar ao esforço da rebelião. Afinal, Katniss agora não é mais apenas a vencedora dos Jogos Vorazes – ela é o Tordo, a pessoa que sozinha desafiou o governo da Capital e do cruel Presidente Snow (Donald Sutherland).

 

Por isso, a heroína aceita ser filmada em locais devastados e começa a ajudar no esforço de guerra. A princípio, Katniss se mostra desajeitada ao recitar falas decoradas num estúdio falso – e Haevensbee em essência se torna o “diretor” do filme dela – mas ao partir para a prática, nos Distritos destruídos, ela se torna o foco de esperança da rebelião.

A batalha entre governo opressor e a rebelião então se torna essencialmente uma batalha de propagandas e este, mais do que a ação na arena ou as cenas de batalhas, parece ser o foco da franquia baseada nos livros de Suzanne Collins. Katniss convence o povo a se rebelar, enquanto um cada vez mais estranho Peeta começa a surgir na televisão pedindo à sua amada que interrompa a luta.

Para uma franquia considerada “adolescente” e voltada a esse publico, é impressionante como os temas abordados pelo filme são relevantes e contemporâneos. De fato, A Esperança Parte 1 é um filme absolutamente sério, despido dos aspectos de caricatura e alguns exageros que em alguns momentos diminuíram os anteriores. Os poucos instantes de humor provém dos velhos e queridos personagens Effie (Elizabeth Banks) e Haymitch (Woody Harrelson), mas mesmo eles são meio que postos de lado depois de um tempo.

O filme é também sombrio, com muitas cenas se passando dentro do gigantesco bunker do Distrito 13, aonde a resistência veio a estabelecer sua base. A claustrofobia em alguns momentos chega a ser quase palpável, como na cena do bombardeio, e a fotografia e a direção de arte do longa se mostram desprovidas de cores fortes e vivas – afinal, neste aqui quase não há cenas na Capital, então as cores berrantes da estranha moda daqueles cidadãos não dão as caras em A Esperança Parte 1.

A seriedade também provém do próprio cerne da história, e Katniss se vê novamente na posição de peão. É curiosa a forma como a rebelião, em essência, usa Katniss da mesma forma que o governo usou, como um veículo para servir aos seus interesses. Nos dois primeiros filmes, Katniss era usada para manter o publico alienado, prestando atenção naqueles Jogos sem importância – exceto para quem estava lá na arena, claro. Já a rebelião sabe do poder que uma grande imagem pode ter, por isso resolvem vesti-la como uma “super-heroína” e a colocam em meio a um cenário de batalha. A emotividade da personagem faz o resto, e fica claro o motivo da rebelião começar a virar a mesa: eles têm uma atriz melhor, e ela é mais bem dirigida.

 

Entretanto, todas as atitudes de Katniss e tudo que sai da sua boca são movidos pela mais absoluta sinceridade, e aí fica claro como a franquia simplesmente não funcionaria sem a força da atuação de Jennifer Lawrence. Carismática e dotada de uma entrega total à sua personagem, Lawrence faz com que todos os momentos emocionais da personagem funcionem. Ela até consegue ser “má atriz” numa cena, o divertido momento no qual Katniss tenta dizer as falas da sua propaganda no estúdio. A atriz é tão forte no papel e tão dona da sua personagem que o diretor Francis Lawrence – o mesmo do capítulo anterior – se permite fazer algo atípico em se tratando de blockbusters: ele e seus roteiristas mantêm a protagonista distante da sequência de ação final, mas é a reação emocional dela que comanda a cena e a resolução do filme.

A propósito, a condução do filme pelo diretor é impecável. Embora ele mantenha a tensão e a claustrofobia por boa parte da narrativa, Lawrence se sai especialmente bem nas cenas ambientadas em espaços abertos. O cineasta cria tomadas amplas e grandiosas, especialmente aquelas que retratam a destruição do Distrito 12 – as cenas acabam evocando lembranças das cidades bombardeadas na Segunda Guerra Mundial, o que as deixam ainda mais impressionantes.

A Esperança Parte 1 não é perfeito, porém. Algumas cenas não funcionam bem, como aquela envolvendo uma contagem regressiva e um gato – um momento bobo e uma forma artificial de aumentar a tensão da história – ou a cena da represa, na qual muitos rebeldes aparentemente se sacrificam (?) sem ter chance de escapar do turbilhão de água no seu caminho. E a ênfase no triangulo “sentimental” entre Katniss, Peeta e Gale (Liam Hemsworth) leva o terço final do filme de volta ao território da “produção com teor adolescente” depois de tantas considerações mais interessantes terem sido feitas ao longo da história.

Mesmo assim, A Esperança Parte 1 cumpre seu objetivo: deixar o espectador ansioso à espera da Parte 2. Espera-se que neste derradeiro capítulo, Katniss se torne, definitivamente, dona do próprio destino. Há uma cena no filme em que Katniss perturba o já mencionado gato apontando a luz de uma lanterna na parede. Se essa cena é uma analogia do próprio filme, então Katniss é a luz e o gato, as pessoas que acompanham sua luta via propaganda. Falta a ela um último passo para se tornar, enfim, a pessoa que segura a lanterna.



Nota do CD:
4 out of 5 stars
Nota dos Leitores:


Ficha Técnica:
Gênero: Drama
Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Danny Strong, Suzanne Collins
Elenco: A. Michelle Harleston, Elden Henson, Evan Ross, Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Julianne Moore, Kim Ormiston, Liam Hemsworth, Lily Rabe, Mahershala Ali, Misty Ormiston, Natalie Dormer, Patina Miller, Philip Seymour Hoffman, Sam Claflin, Stef Dawson, Taylor McPherson, Wes Chatham
Produção: Jon Kilik, Nina Jacobson
Fotografia: Jo Willems

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